quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ESTADO CONTRA A SOCIEDADE

ESTADO CONTRA SOCIEDADE
Do Protagonismo numa Democracia Crepuscular


Sempre nos preocupámos mais com a Sociedade que com o Estado. Embora o Estado conforme (e por vezes deforme) a Sociedade, se dela não for a justa expressão política e administrativa. O Estado não "somos nós todos", como demagogica e superficialmente se diz: o Estado, no sentido que aqui nos importa, é como o inferno de Sartre: "são os outros" (Huis clos). No caso, os que mandam.
Já Santo Agostinho (Civitas Dei) perguntava: "Ignorada (ou desprezada) a Justiça, que são os Reinos senão grandes bandos de ladrões?". "E o que são bandos de ladrões senão pequenos reinos?" Notemos: Sem Justiça.
Sabemos que o Poder tem sempre alguma coisa de diabólico, e que dificilmente se será ao mesmo tempo santo e poderoso. O caso de Tomás Moro, santo e político, só se entende porque Henrique VIII acabaria por o decapitar.
Assim, fazer uma vida à margem do poder, honesta e bonita, é um belo ideal. Se o poder no-la deixar levar. E isso está cada vez mais difícil. Não nos deixam "cuidar do nosso jardim". Disse Julien Freund: podemos não escolher os nossos inimigos, que eles escolhem-nos a nós.
E a sociedade que poderia estar calmamente a simplesmente viver, enquanto os príncipes deste mundo se digladiam entre si, em vez disso está a ser muito atacada e, pior, influenciada por um vazio ético, qual buraco negro de valores, tudo aborvendo para o antivalor.

Esta ordem ultraliberal (em boa medida internacional) da rapina e do esbulho, da falta de palavra, do poder pelo poder, e do dinheiro acima de todo o poder, da ideia fixa na conquista, preservação e expansão do mando, por todos os meios, está a ser-nos fatal. Sobretudo porque os esteios da ordem normal, constitucional e democrática, mais ainda, os pilares da simples sociedade sã, parecem desarticulados, adormecidos, eventualmente mortos.

A mentalidade arrivista e sem freio  não tem sido contrabalançada por famílias com esclarecimento e raízes - cada vez mais famílias não têm nem tempo, nem formação, e vivem na angústia da falta de pão; não está a ser travada por uma Escola e professores prestigiados (socialmente e pelos alunos) e capazes de educar além de debitar programas - os docentes têm sido humilhados publicamente e esbulhados em vencimento e direitos, e vergados à mais inimaginável, absurda, nociva e totalitária das burocracias no setor; não se vê ponderada e criticada por uma comunicação social totalmente isenta, esclarecida e educadora também - já muitos cidadãos desligaram desse mundo, que é um outro mundo.

Esta desarticulação ou demissão das pedras vivas está a gerar graves consequências para a sociedade civil, para a própria compleição espiritual da Pátria.
Está a incentivar gerações não só de autistas, vagamundos e desesperados como de pessoas sem valores, sem respeito, sem freios. Está a semear ignorância e ignorância muito petulante, que ignora que tudo ignora.
Os jovens não têm futuro, e os mais velhos suspiram por novos Salazares. Confundem a perversão democrática (na verdade muito pouco democrática) com a verdadeira Democracia, e assim, por ignorância, prefeririam a ditadura, porque ao menos se sabia com o que se contava, havia ordem e paz nas ruas. É o velho complexo autoritário que ressurge. E a democracia foi incapaz de educar as pessoas, velhas e novas, para os seus próprios méritos. E ao verem no que está a dar, a pedagogia do exemplo gera frutos perigosos na opinião pública.

Concomitantemente está-se a estender a passadeira rubra e a dar palco, dinheiro e poder a muitos que os não merecem (nem de perto nem de longe), e os obtêm pelas razões mais estranhas, fortuitas ou injustas. Está, finalmente, a criar-se uma raça assanhada e perigosíssima de "parvenus" de faca nos dentes ou na liga, prontos a tudo vender e a tudo sacrificar. Já venderam em pequeninos a alma ao diabo por um prato de lentilhas de fama ou poder, ou uns cobres vis para mal esbanjarem em ostentação. Mas como não sabem o que são contratos e ignoram o "pacta sunt servanda", continuam quotidianamente a mercadejar a alma, a vendê-la e a revendê-la, a quem lha queira ir comprando.
Não falamos de políticos, falamos da sociedade, do micro-. Da esperteza saloia agora muito batizada até de títulos que nada passam a valer, sôfrega da sede de brilhar por quem nada significa. E brilha da luz artificial e emprestada da escola do elogio mútuo e dos fazedores de opinião que disso também vivam.

Quando será que os que valem alguma coisa deixarão de beijar a mão dos que são mero bluff e só têm a altura do pedestal pintado para que, atropelando todos, acabaram por se guindar?
Anões, não aos ombros de gigantes (como dizia São Bernardo), mas sob os cadáveres das suas vítimas...

A sociedade está muito doente, não é só o Estado. Urge um Estado constitucional, são, que dê o exemplo. Porém, enquanto isso não acontece, é preciso que a sociedade civil vá encontrando formas de resistir, e de contrariar a anomia profunda para que resvala.

Paulo Ferreira da Cunha

1 comentário:

R. da Cunha disse...

Por mim, não diria anomia, mas paralisia total da denominada sociedade civil, manietada que está pelo medo do amanhã, anunciado pior do que o dia de hoje. Que nos falha? Vamos esperar por um dom Sebastião?