segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

OPINIÃO

O arsenal

Aos que apontam ao PS o “não ter discurso” deve provar-se que o melhor discurso é a denúncia da mentira, do embuste, da mistificação.
Começou a ser exibido o arsenal de argumentos da coligação para as eleições europeias: o “fim da Troika” em 17 de Maio, uma semana antes dos votos, marcará a glória de uma saída como a da Irlanda; o País sofre, mas a culpa não é do Governo, é da Troika; foi o PS que nos arrastou para aqui, eles são os culpados de todos os males; se querem ver como governaria o PS olhem para Hollande; e finalmente, “o PS está sem discurso”. Vamos por partes.
É certo que vai terminar sem saudades a primeira intervenção da Troika, em 17 de Maio. Os resultados foram desastrosos, como o Parlamento Europeu está a comprovar: a mais alta dívida pública de sempre, quase 130%; Um défice público errático, sempre acima do prometido e só mascarado com a cobrança excepcional de dívidas ao fisco e à segurança social; um desemprego elevadíssimo, estando por esclarecer se a redução dos inscritos nos centros de emprego se deve a emigração de activos, desistência de procura de trabalho, mais empregos de poucas horas, ou a um louvável esforço de formação profissional; um crescimento anémico que não chegará a um quarto do prometido.
Diz o Governo que a culpa da austeridade excessiva foi da Troika e não do Governo. Respondem Barroso e Rehn, atirando as culpas para os governos que decidem e aplicam as medidas. A Troika não escapa ilesa aos erros que cometeu e coagiu. Mas foi a coligação quem decidiu “ir além da Troika”, subir o IVA da restauração de 13 para 23%, carregar o povo com impostos, afrontar a Constituição, agravar as penas dos contribuintes e congelar o crescimento.
Elegeram o PS como bode expiatório, culpado de todos os males. Esqueceram já que foram eles que recusaram o PEC4, que provocaram a mais abrupta subida de taxas no mercado, de 7 para 14% e que já não é segredo o papel de Barroso em tornar, então, a vida mais difícil aos seus nacionais. Se Manuela Ferreira Leite tivesse vencido as legislativas de 2009, teriam sido diferentes as decisões? Quando de Bruxelas vem, em 2008, a recomendação para salvar bancos e gastar ao máximo, seguida do duche escocês de 2011 para congelar toda a despesa, a culpa é do PS?
Hollande, que a direita elege como suposta bandeira do PS português, virou de bordo, felizmente bem. Espera-se que ainda a tempo de salvar a economia dos erros próprios e dos de uma série de medíocres antecessores. Errou ao prometer o que não podia fazer, ao afastar-se de uma correcta política de ganhos de produtividade e competitividade, com enorme desperdício numa administração herdada, pesada e redundante. Hollande pretende agora corrigir a rota, o que só o honra e aos socialistas, pela defesa dos valores da República e do Estado Social que corriam graves riscos de sustentabilidade.
O PS estaria “sem discurso”, apostou na continuação da crise e afinal ela está a acalmar. Rejeitou ser menino bem comportado e não alcançou a prenda presidencial das eleições antecipadas. Ainda bem. Viu-se logo o valor que Passos Coelho daria a um acordo com o PS, dispensando-o para o programa cautelar. Alguém imagina o PS a aceitar Portas como vice primeiro-ministro, ou a tolerar constantes bicadas a um acordo, mesmo temporário? Como poderia o PS aceitar um pacto em que o seu peso político seria desproporcionadamente baixo, como crescentemente se demonstra, sondagem após sondagem? Ao ficar de fora, o PS e o povo português poderão ter perdido a oportunidade de eleições antecipadas “a frio”, mas o País escapou de mais confusão.
Esta barragem de argumentos visa apenas distrair o povo das malfeitorias infligidas: a redução em 28% (quase os 30% da Grécia) do rendimento de funcionários e pensionistas do Estado. Uma hecatombe no aproveitamento de recursos humanos qualificados, quando o Governo os empurra para a emigração ou quando reduz drasticamente as bolsas para doutoramento e a contratação de pós-doutores. Com esfarrapados argumentos de que o governo não é uma agência de emprego (Primeiro-ministro), o emprego deve ser cavado por eles, em disputa árdua, só assim se ganhando competitividade (Ministro da Educação). Num contexto de laboratórios e universidades que o governo reduziu à indigência, sem margem para contratações, além de se apropriar transitoriamente, pela tesouraria do Estado, de recursos para programas conquistados em competição internacional. Num contexto em que o governo deixou de pagar, ou paga mal e tarde, as contribuições em dívida para agências internacionais de ciência.
Mesmo em sectores até aqui protegidos, como a Saúde, o cavername do navio range sob a pressão da redução orçamental, atirando procura excessiva para as urgências, desorganizando equipas por falta de recursos humanos e cortando nos medicamentos inovadores. E a reforma dos hospitais por fazer.
Os Portugueses aceitam as reformas e estão dispostos a sacrificar-se para que o País saia da crise. Rejeitam uma dieta hormonal, onde a gordura regressa logo depois. Aceitam menor gasto público na educação pública se não ocorresse mais gasto público com o ensino privado. Aceitam congelamento de pensões contributivas e de rendimentos sociais de inserção, se as não-contributivas, sem avaliação de recursos, não aumentarem por mero eleitoralismo populista. Toleram o congelamento temporário do salário mínimo, se parte dos lucros máximos e dos rendimentos de capital revertessem para o bem de todos. Os Portugueses apreciam a redução dos juros do mercado da dívida, mas não comem “saídas à Irlandesa” nem programas cautelares. Os Portugueses aceitam os sacrifícios, se perceberem que a “ida aos mercados” se reflecte em melhorias futuras. Mas não acreditam em êxitos fugazes do curto prazo ou no empurrar a dívida por dois anos, quando outro for o governo a ter que a pagar.
Aos que apontam ao PS o “não ter discurso” deve provar-se que o melhor discurso é a denúncia da mentira, do embuste, da mistificação. E para quem desconheça como funciona Passos Coelho, basta atentar no “putch” parlamentar que com um referendo cavalgou um laborioso acordo social sobre co-adopção. Se é assim que Passos Coelho trata a maioria parlamentar que o serve, como trataria os Portugueses, se estes lhe não derem a resposta devida, em Maio?
Estes temas domésticos não podem ser descartados do próximo debate eleitoral, mas a discussão tem que se centrar sobre a Europa e a forma como com ela lidamos. Teremos muito para debater.
Deputado do PS ao Parlamento Europeu

 

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