Quem olhou para os dados do relatório, publicado na terça-feira, 24, pelo Instituto Nacional de Estatística, dificilmente terá ficado surpreendido pelo aumento do risco da pobreza em Portugal. Atroika está cá há três anos; o desemprego subiu; as prestações sociais diminuíram, os salários dos que têm trabalho encolheram - não era de esperar outro resultado.
Na verdade, o que estranhamos é que o risco de pobreza tenha crescido tão pouco. O relatório é baseado num inquérito de 2013 sobre os rendimentos de 2012. Os dados mostram que 18,7% dos residentes no território nacional estavam em risco de pobreza, por oposição a 17,9%, em 2011. O acréscimo foi, portanto, de apenas 0,8 pontos percentuais.
Pouco, não é?
Olhemos então melhor para estes dados. A taxa de risco de pobreza indica-nos a proporção da população que tem um rendimento inferior a 60% do rendimento mediano. Ora a mediana corresponde, em estatística, ao valor central de uma distribuição. Usemos uma imagem: se abrirmos um leque, a mediana corresponde à vareta central, a partir da qual há 50% de varetas para a esquerda e 50% de varetas para a direita.
Daqui conclui-se que, se muitos ganharem menos, a mediana diminui; se muitos ganharem mais, a mediana sobe. Ora, o que aconteceu, está mesmo a ver-se, é que a distribuição dos rendimentos passou a integrar cada vez mais pessoas a ganhar menos. Por isso, o limiar de pobreza passou de 416 euros, em 2011, para 409 euros, em 2012. Ou seja, muitos dos pobres de 2011 já seriam remediados em 2012. Dito sem pejo: em 2012, só sendo cada vez mais indigente se podia ser considerado pobre.
Para obviar a estas dificuldades, o INE decidiu calcular um limiar de pobreza "ancorado" em 2009, ou seja, independente das variações de rendimento anuais. Com base nesse valor, a taxa de risco de pobreza passou de 17,9%, em 2009, para 24,7%, em 2012.
Agora fica tudo mais claro, certo? Pela bitola de 2009, hoje um em cada quatro portugueses são pobres. Tinha razão Pedro Passos Coelho quando, em 2011, assegurou que só íamos sair da crise empobrecendo: em relação a isso, como podemos ver, não enganou ninguém, o que não é habitual num político.
Outra constatação possível de fazer até 2009 era a seguinte: quem estava fora das idades ativas - ou porque não tinha idade legal para trabalhar ou porque a ultrapassara - corria maior risco de pobreza. Eram os jovens e os idosos os grupos mais frágeis.
Ora, em 2012, a coisa mudou. O risco de pobreza dos idosos já é menor do que o da população em geral e mesmo do que o das pessoas em idade ativa. Antes era o trabalho que garantia uma situação de independência e de autonomia; hoje, são as pensões e as reformas.
Não acham isto inquietante? Afinal, as pensões não subiram. Pelo contrário, diminuíram.  E mesmo assim, são os idosos os que estão menos sujeitos ao risco de pobreza? Será porque os trabalhadores empobreceram tanto que hoje até uma modesta pensão garante um bem-estar de que a maioria dos trabalhadores está arredada?
Finalmente, note-se que os jovens, tradicionalmente um grupo frágil, viram a sua situação agravada. Com base no tal limiar ancorado em 2009, 31% dos que têm menos de 18 anos estão numa situação de pobreza. Atenção: isto corresponde a quase um em três jovens portugueses. 
Estes dados remetem para outra questão. São as prestações do Estado Social, sobretudo as dirigidas aos idosos - pensões -, que asseguram um escudo protetor contra a pobreza. Ora, o governo prepara-se nestes dias para "repensar" o modelo das pensões e reformas. Que tenha, portanto, estas evidências em conta.