terça-feira, 20 de maio de 2014


Economia/Política

15:58

“Não podemos prometer coisas milagrosas para as andarmos a corrigir”

MARGARIDA PEIXOTO

Manuel Caldeira Cabral, um dos coordenadores do Contrato de Confiança do PS, garante em entrevista ao Económico que as promessas sobre o futuro são feitas à medida do crescimento económico. E avisa que os socialistas não podem ficar “de mãos atadas” no que toca a reformas fiscais.


Leia os destaques e a entrevista na íntegra.
Destaques:
  • "A forma como se falou dos funcionários públicos e das gorduras foi juntar insulto ao sofrimento."
     
  • "Os jovens se não confiarem em Portugal vão confiar na Ryanair para se pôr a andar daqui para fora."
     
  • "Um dos sinais mais assustadores nas últimas semanas foram os anúncios de saídas de bancos estrangeiros."
     
  • "O Tratado [Orçamental] abre a porta a mais espaço do que a interpretação mais estrita."
     
  • "Ter uma voz na Europa não é um favor que a Europa nos faz."
     
  • "Os compromissos são de repor alguma coisa nas pensões, mas não de aumento das pensões a longo prazo."
     
  • "Há um compromisso chapéu de enquadramento que é não aumentar a carga fiscal. Haverá depois que estudar na situação concreta que vamos encontrar quando se chegar ao Governo."
     
  • "O PS não pode ficar de mãos atadas para fazer reformas fiscais."

Entrevista na íntegra:
Como é que o PS garante que o défice não vai aumentar?
É um dos compromissos que lá está. Há alguma diferença face ao governo no sentido em que nos comprometemos a fazer uma consolidação orçamental que tenha em conta o crescimento económico. O crescimento dá um contributo e a consolidação não tentará ir longe de mais. Há medidas de crescimento económico, há compromissos que têm a ver com a reforma do Estado que podem gerar a prazo poupanças e há compromissos que aumentam a despesa. Mas se fizer as contas a quanto custam são relativamente moderados. Andarão à volta de meio por cento do PIB. Se a economia portuguesa arrancar em 2015, 2016, 2017 com um crescimento de 2%, 2,5%, 3% é possível ir muito mais longe do que o que nos comprometemos. O que nos comprometemos é sustentável com o crescimento económico, mesmos sendo bastante fraco, andando em torno de 1% ou mesmo abaixo.
O compromisso de estabilizar a despesa corrente não está escrito no contrato. Continua a ser válido?
Os compromissos que não estão escritos neste contrato são compromissos que não assumimos ainda agora. Há dois aspectos muito interessantes na construção deste Contrato de Confiança e no que foi o Novo Rumo para Portugal. Um dos princípios foi uma ampla participação, de pessoas por todo o país com conferências com temas mais específicos ou mais amplos. Fizemos vários workshops fechados com pessoas muito qualificadas. Até algumas pessoas que não quiseram ainda aparecer em público mas que mostraram uma enorme disponibilidade para dar contributos. O segundo aspecto é a ideia de fazer o processo em dois níveis. Um programa do Governo tem de ser algo que abarca múltiplas áreas que tem medidas muito concretas e uma série de intenções. O que fizemos foi distinguir o que tem de estar no programa do governo, que são as intenções do que queremos fazer, face ao que está neste contrato de confiança, que são os compromissos, o limite do que queremos fazer.
É como se fosse um compromisso base em, que depois se encaixa o programa do Governo?
É como se fosse uma constituição em que depois se encaixam as leis, mal comparado. É uma constituição que é para respeitar. Os compromissos ficaram claramente destacados e no programa de governo devemos repetir essa ideia: destacar o que são compromissos que assumimos e assinamos por baixo, do que são ideias que são instrumentos para cumprir esses compromissos, mas que depois ao serem aplicados estaremos dispostos a melhorar a discutir, a negociar com parceiros sociais. Os nossos compromissos não serão negociáveis. Temos uma visão muito diferente da do Governo sobre o crescimento económico. O Governo tem-se centrado muito na ideia de competitividade com base em baixos salários, numa estratégia que não está a resultar. Desde que entrou a troika, as exportações estão a crescer a um ritmo muito inferior. Em 2010 e 2011 as exportações cresciam a dois dígitos e em 2012 estiveram a cair.
Também cada vez é mais difícil crescer a um ritmo muito elevado porque o nível é mais alto.
Não era isso que nos diziam. O que nos diziam era que o nosso problema era de competitividade e que, baixando os salários, as exportações começariam a crescer muito mais depressa. Essa foi a lógica deste governo. No anterior governo as exportações cresceram em média anual duas ou três vezes mais. A propaganda não é essa, mas o crescimento das exportações não está a arrancar.
Com as medidas que o PS propõe a despesa corrente pode aumentar.
A ideia é continuar a consolidação e nesse caminho a despesa corrente deverá ter uma trajectória de redução no PIB. Não é um compromisso assumido assim porque pode haver outras formas de conseguir reduções de encargos para o Estado. Mas há uma ideia que nos distingue do actual governo que é uma ideia de crescimento pela competitividade. Em Ciência e Tecnologia assumimos o compromisso de não baixar os gastos como este Governo tem feito, o que aponta para a recuperação do investimento.
O PS vai fazer a reforma do Estado?
Queremos fazer uma reforma do Estado, mas bem feita, centrada em melhorar o funcionamento do Estado, dando mais eficácia às coisas que o Estado faz que são alavancas para o crescimento económico. Este Governo tem-se esquecido disso e tem posto novos entraves e complicações às empresas para poupanças muito pouco visíveis na Administração Pública, transferindo custos para os privados daquilo que o Estado passa a fazer pior. Por comparação com uma empresa, uma empresa que comece a despedir pessoas do departamento de vendas ou a desmotivá-las, que acabe com o departamento de inovação vai conseguir fazer pequenas poupanças de custos, mas a prazo é uma empresa condenada a um caminho de empobrecimento, como o Governo defendeu para Portugal. Não é a visão que nós queremos. Não é a cortar em universidades que conseguiram tornar-se visíveis a nível mundial, fazer investigação com qualidade, não é a mandar embora as pessoas, principalmente as melhores. Nas universidades, se conseguirmos uma poupança de 5% ou 10% nos custos podemos estar a perder 40% ou 50% da investigação.
Se o PS for forçado a uma austeridade de emergência, sem aumentar impostos e sem cortar salários, que estratégias tem para responder? 
Há várias estratégias e é bom lembrar que entre 2005 e 2008, com um crescimento moderado, conseguiu-se fazer uma consolidação responsável. Deixou o crescimento ir acelerando e houve até uma retoma temporária do investimento que depois caiu com a crise. Conseguiu-se fazer muito mais do que este governo em ganhos de eficiência na administração pública. Conseguiu-se reduzir pessoal, sem ter de despedir pessoas, com a regra de duas saídas por cada entrada. Nos próximos anos vão-se reformar 3% a 4% das pessoas da administração pública. Ao longo de uma legislatura há um espaço grande de saídas - 10% a 15%. Deverá ser aproveitada a folga que isso dá para renovar os quadros da administração pública. Os programas que o governo esta a fazer, de prémios às saídas estão a ser altamente contraproducentes.
Os programas de rescisões amigáveis deviam terminar?
Deviam ser claramente avaliados pelos custos e pelo efeito de saída de pessoas que são as que fazem mais falta. São as pessoas com mais competências que estão a sair. Não é muito certo que seja um programa de poupança e é bastante visível que vai piorar o Estado. Há até a ideia que as inovações tecnológicas que se fizeram, como não têm tido a necessária manutenção, estão a funcionar pior. O ‘Simplex' poupava custos ao Estado e às empresas, mas agora o Estado introduziu novos compliquex.
O compromisso do Governo de devolver 20% dos salários aos funcionários públicos em 2015 e a totalidade do que foi cortado num máximo de cinco anos é razoável?
O compromisso que o governo assumiu é só de aumentar 20% no ano das eleições, sem dizer o que faz nos anos seguintes.
Disse que no máximo em cinco anos repõe tudo.
Cinco anos excede a legislatura, e o Governo não diz que aumenta 20% em 2015 e 20% no ano seguinte. Mas eu desaconselharia o PS de querer marcar a agenda dizendo que faz mais ou menos do que o governo. O que o PS assumiu foi o compromisso de não baixar salários, não fazer despedimentos na administração pública e de repor os salários dos funcionários públicos com prazo e tempo razoável, que vai depender do crescimento económico que houver. Pode dizer que na questão dos salários o compromisso não é muito diferente nem é muito melhor do que o que o governo esta a oferecer. Não sei. Este governo já mostrou em muitos momentos uma vontade persecutória de grupos muito particulares como foram os funcionários públicos e os reformados. A forma como se falou dos funcionários públicos e das gorduras foi juntar insulto ao sofrimento. É absolutamente desnecessário. O que esperamos é que haja um relançamento da economia. Não havendo esse espaço não vai haver políticas irresponsáveis. Não podemos prometer coisas milagrosas para depois as andarmos a corrigir.
O Governo assume que a sua estratégia de médio prazo foi feita a pensar nos mercados. O Contrato de Confiança também pensou nos mercados?
Estão lá os compromissos muito claros sobre as contas públicas. O PS não hesitou e não andou a arrastar o assinar dos tratados europeus. Mas um dos grandes erros da troika e do governo é que não temos que conquistar só a confiança dos mercados. Temos de reconquistar também a confiança dos investidores, portugueses e estrangeiros. Os jovens se não confiarem em Portugal vão confiar na Ryanair para se pôr a andar daqui para fora.As empresas não vão fazer novos investimentos, não sabem se serão expropriadas por novos impostos. Um dos sinais mais assustadores nas últimas semanas foram os anúncios de saídas de bancos estrangeiros. Esta era uma oportunidade óptima para esses bancos expandirem a sua posição em Portugal. É muito diferente convidar as pessoas a fazer um esforço pelo país de martelar as pessoas com sacrifícios. Estamos a desperdiçar tanta gente no desemprego, em que investimos tanto. A quantidade de doutorados que estão a sair, muito bons, que devíamos estar a fazer tudo para os reter em Portugal é dramática. É uma perda de capital que vamos demorar muitos anos a recuperar.
O PS quer negociar com a Europa um modo de aplicação diferente do Tratado Orçamental?
O próprio tratado tem cláusulas para o ritmo [de consolidação] e já assumiu que se está a falar do défice estrutural. O tratado abre a porta a mais espaço do que a interpretação mais estrita. Já vimos em muitos tratados europeus, por exemplo o do BCE, que era impossível fazer uma série de coisas que hoje em dia se está a fazer. Há algum espaço, não podemos contar com ele, mas uma coisa é dizer que estamos dentro da Europa e queremos estar na Europa. Outra é dizer que estamos contentes com a Europa. Ter uma voz na Europa não é um favor que a Europa nos faz. Se em alguns casos tivermos que nos bater por interesses portugueses contra o que tem sido uma linha política europeia negativa e errada para nós, devemos fazê-lo. E devemos fazê-lo angariando aliados para esta luta.
A ideia seria negociar uma agenda com a Europa que passaria a ser um chapéu que se sobrepõe aos vários instrumentos para Portugal?
Vejamos o que se passou com a União Bancária. Uma coisa que era essencial para dar confiança, que terá muito mais impacto do que reduzir décimas do défice, e tivemos uma troika que passou meses a lançar mais recessão sobre a Europa para baixar poucas décimas de défice. Ainda não se fizeram reformas suficientes nas instituições europeias, nomeadamente no que deve ser o papel do BCE, que garantam que se houver outra crise não volta a disparar a diferença de juros entre o norte e o sul da Europa.
A reforma do mercado de trabalho em Portugal já está feita ou é preciso mais flexibilidade salarial?
O PS quer voltar a uma concertação social a sério, com resultados realistas. É preciso ganhar a confiança dos trabalhadores, mas também dos empresários. Tem que haver melhorias dos rendimentos dos trabalhadores num quadro que acompanhe os aumentos de produtividade.
Mas é preciso baixar mais os salários no sector privado?
Não, esse não é o caminho. A baixa enorme de salários não contribuiu em nada para o aumento das exportações. As exportações que aumentaram nem são de mão-de-obra intensiva.
O Contrato de Confiança não avança reformas estruturais para a Segurança Social. É sustentável?
A reforma de 2007 assegurava a sustentabilidade. Teve o problema de ser feita mesmo antes da crise. Tinha um período de transição relativamente longo que seria razoável e sustentável desde que houvesse algum crescimento. Mas como houve a crise que acentuou e prolongou a recessão levou a uma situação de maior stress na Segurança Social. Deve-se retomar o caminho dessa reforma e ter em conta a sustentabilidade como um objectivo. Por isso os compromissos são de repor alguma coisa nas pensões, mas não de aumento das pensões a longo prazo.
Há o compromisso de revogar a Contribuição de Sustentabilidade. Mas o PS mantém o aumento do IVA e da TSU?
Esses dois aumentos e todos os impostos vão estar enquadrados na ideia de não aumentar a carga fiscal, esse é o limite que pomos aos impostos. Não interessa muito se vamos diminuir 1% no IRS para aumentar 2% no IVA ou vice-versa.
Mas estes dois aumentos: do IVA para 23,25% e TSU para 11,2% são para ficar?
Temos de ver que mais impostos o Governo ainda vai pôr até 2015 e nesse momento estudar quais as propostas e as possibilidade. Há um compromisso chapéu de enquadramento que é não aumentar a carga fiscal, que é o que interessa aos portugueses. Haverá depois que estudar na situação concreta que vamos encontrar quando se chegar ao Governo.
Quer dizer que pode mudar o ‘mix' de impostos?
A ideia é não alterar muito. É manter estabilidade do quadro fiscal. Mas o PS não pode ficar de mãos atadas para fazer reformas fiscais, às vezes com impostos que estão na mesma área. Uma área em que poderá acontecer é a ambiental.
Há o objectivo de ir baixando a carga fiscal?
O compromisso que se assume agora é de estabilidade e de não aumentar a carga fiscal.
Não está identificado um primeiro imposto que deve descer?
Há a Contribuição de Sustentabilidade, que está identificada. Houve também, na política de rendimentos a preocupação de identificar o Complemento Solidário para Idosos. Há o compromisso de contenção da despesa, é o que se pode assumir sem saber muito bem qual vai ser o crescimento. Temos de ser prudentes e assumir um compromisso que se possa cumprir mesmo com crescimento muito baixo.
Mas há o compromisso de baixar o IVA da restauração para 13%.
Sim, está identificado. É coerente com a nossa estratégia orçamental. É uma medida importante para a competitividade do turismo. A restauração é toda produzida em Portugal.
A medida de compensação orçamental está identificada?
Não está identificada nem tem de estar. Não é por essa via que se vai fazer. Havendo mais crescimento haverá mais espaço para acomodar essa medida, havendo menos crescimento haverá menos espaço mas terá de ser acomodada com contenção da despesa, melhorias de eficiência e várias outras medidas que componham todo o quadro. O quadro será sempre de não aumento da carga fiscal - como isso desagrava a carga fiscal dará espaço para dentro do compromisso haja outras receitas possíveis de obter. A maior fonte de receita que temos de apostar, embora não possamos contar, é o crescimento económico.
A DIREITA FICA ATORDOADA COM TANTA CERTEZA E TANTA TRANSPARÊNCIA.



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