quarta-feira, 25 de junho de 2014

O TEMPO E A MEMÓRIA

A nossa vizinha Espanha

por MÁRIO SOARES
Nos últimos anos a Espanha tem passado um mau bocado, no plano financeiro, económico, político e social. Como Portugal - embora não tenha aceitado a troika, honra lhe seja - a Grécia e a Itália. Com dificuldades das próprias autonomias, como a Catalunha e o País Basco. Mas não só. O que levou o ex-primeiro-ministro Felipe González a afirmar, com a sua experiência, que a Espanha devia ser um País federal.
Contudo, o Partido Popular de Aznar foi liderado durante este tempo difícil pelo galego Mariano Rajoy que se revelou um político de grande rigidez, e que tem criado enormes dificuldades e problemas ao povo espanhol em geral. Considere-se também que o PSOE foi dirigido até há pouco por Alfredo Pérez Rubalcaba, que sendo um homem de grande inteligência, não conseguiu que o PSOE tivesse um papel decisivo para mudar a Espanha na situação em que se encontra, como a Grécia e Portugal.
A crise europeia, dirigida pela chanceler Merkel, impondo políticas de austeridade, criou, não só aos países do Sul como à zona euro no seu conjunto, com a obediência cega da Comissão Europeia e, em parte, do Banco Central Europeu, o estado em que nos encontramos hoje, com a própria Alemanha a conhecer as primeiras grandes dificuldades. As eleições para os órgãos da União Europeia, que vão ocorrer em breve, vão mudar, espero eu, muita coisa.
Essa situação gerou em Espanha grandes dificuldades como em Portugal, mas foram talvez mais violentas. Houve manifestações de rua, com grande parte da população a gritar "Viva a República", pondo em causa desta forma a monarquia e não só o Governo de Rajoy.
O Rei D. Juan Carlos, de quem, posso dizer, sou amigo, criou um inesperado problema político, quando participou numa caçada no Botswana e partiu a anca.
Note-se que D. Juan Carlos foi um excelente Rei, muito amigo de Portugal, onde viveu em jovem e que, após a morte de Franco, foi o Rei da transição democrática espanhola, com Adolfo Suárez, que escolheu para chefiar o Governo formado em 1976.
A Espanha democrática deve muito a D. Juan Carlos, em especial quando alguns militares invadiram o Congresso, num golpe antidemocrático e o Rei, num discurso inesquecível, os meteu na ordem. Foi um Rei que se impôs, na Europa e no Mundo.
Teve agora o mérito de entender, quando nas ruas das cidades de Espanha se começou a gritar "Viva a República", que era o momento de abjurar das suas funções e passar o trono ao seu filho, Felipe VI de Espanha.
Realmente, Felipe VI é um homem íntegro e inteligente mas também muito reservado. Enquanto príncipe foi igualmente extremamente prudente nos seus atos, mas muito atento a tudo o que se passava à sua volta. O que o faz um excelente conhecedor de Espanha e também da sua família, tão difícil. O discurso que fez no dia da sua proclamação foi extremamente interessante e bem estruturado. Li-o nesse dia - é bastante grande - e fiquei deslumbrado com a qualidade intelectual e ética do texto. Estão lá referidos os grandes problemas de Espanha e o modo como deverão ser tratados. É caso para dizer: temos em Espanha um grande Chefe de Estado que vai fazer tudo o que puder para enfrentar as dificuldades da melhor maneira. A Espanha, com tantos problemas, de todo o tipo, mesmo na família real, está de parabéns pelo Rei que tem.
Entretanto Mariano Rajoy continua a ser o primeiro-ministro, sem querer encontrar soluções e mantendo a sua rigidez. É o caso difícil relativamente à Catalunha - com a qual não sabe dialogar - e o País Basco. Mas também com o que de novo se está a passar com os partidos espanhóis, quer o Popular de Aznar quer o PSOE, cujos líderes parecem não se entender. Formou-se em 2014 um novo partido, Podemos, que se assume como de esquerda, democrático, anticapitalista, progressista e republicano, que foi a quarta força mais votada nas últimas eleições europeias, tendo conseguido eleger cinco eurodeputados.
D. Felipe VI disse no final do seu brilhante discurso: "Quero uma monarquia parlamentar na qual acredito e em que creio." E acrescentou: "Uma monarquia renovada para um tempo novo." E ainda: "Tenho fé na sociedade espanhola; uma sociedade moderna, vital, responsável e solidária." E concluiu: "Somos uma grande nação e cremos e confiamos nela."
É um Rei de quem se espera muito. Como o tempo mostrará. Digo-o como amigo de Espanha e patriota português e republicano.
Artigo Parcial

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