sexta-feira, 4 de julho de 2014

A renegociação das condições do pagamento da dívida pública está a ganhar terreno entre os membros do Conselho de Estado. Na reunião de quinta-feira, dois ex-Presidentes da República estiveram do lado da ideia - Jorge Sampaio e Ramalho Eanes. Também Bagão Félix e Manuel Alegre foram ao encontro da proposta ali defendida por António José Seguro.
Jorge Sampaio foi, aliás, o primeiro interveniente na reunião a falar sobre o assunto, dizendo mesmo que é necessário "quebrar o tabu" sobre a renegociação da dívida. Seguro falou a seguir e procurou capitalizar o tema, conseguindo o apoio inesperado de, pelo menos, outros quatro conselheiros.
A grande surpresa veio de Ramalho Eanes, que se colocou do lado da ideia da renegociação, que defendeu mesmo a constituição de uma comissão de personalidades independentes e com credibilidade para começar a preparar as suas condições. O ex-Chefe de Estado fezo uma intervenção importante em que mostrou grande preocupação com a "injustiça social" que diagnostica existir no país - assunto que ficou plasmado num dos quatro pontos do comunicado final do Conselho de Estado.
"O Conselho de Estado analisou a actual situação social e económica portuguesa, face aos resultados do Programa de Ajustamento, concluído em 17 de Maio, e debateu as condições necessárias para que o país, nesta nova fase da vida nacional, consiga superar o desafio do crescimento económico e do emprego sustentáveis, com preservação da coesão e da justiça social, com sustentabilidade das finanças públicas e equilíbrio das contas externas e com inversão da actual tendência demográfica", lê-se no ponto 2 do comunicado.
Mas foi no ponto 4, relativo aos entendimentos políticos, que faltou consenso. Na redacção inicial, proposta pelo Presidente da República, apelava-se a "entendimentos interpartidários e de concertação social", formulação rejeitada de imediato pelo líder do PS. Cavaco Silva já tinha feito saber que, se houvesse algum conselheiro que não se revisse no texto, não haveria comunicado. E face à observação de Seguro, meteu o papel ao bolso.
Houve então algum burburinho entre os presentes, cabendo a Manuel Alegre a iniciativa de propor que se chegasse a um compromisso retirando as palavras que causavam discórdia. A passagem "entendimentos interpartidários e de concertação social" foi retirada e o comunicado passou a ser aceite por unanimidade.
O ponto 4 ficou assim redigido: "Face à seriedade das exigências que o país enfrenta, o Conselho de Estado exorta todas as forças políticas e sociais, no quadro da diversidade e pluralidade democrática, a que preservem entre si as pontes de diálogo construtivo e a que empenhem os seus melhores esforços na obtenção de entendimentos quanto aos objectivos nacionais permanentes, factor decisivo da confiança e da esperança dos portugueses".
Dívida segundo Passos
Num Conselho de Estado considerado pacífico em comparação com a reunião de Maio de 2013, a questão da divida foi abordada por outros conselheiros, mas precisamente em sentido contrário aos que defenderam a renegociação. Na reunião do Conselho de Estado, ninguém defendeu o perdão da dívida pública.
Os conselheiros de Estado ouvidos pelo PÚBLICO, destacaram a intervenção de Vítor Bento. Em tom assertivo e de forma clara, o economista, que integrou em representação de Portugal uma comissão europeia que estudou as dívidas públicas,  explicou as razões por que considera que não se deve renegociar a dívida neste momento. A saber: Portugal tem prazos como nunca teve, o prazo de pagamento passou de 7 para 20 anos, o período de carência estende-se por 25 anos e os juros nunca foram tão baixos como são agora.
Vítor Bento foi apoiado explicitamente por Leonor Beleza, Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa. Já Francisco Balsemão e Luís Filipe Menezes fizeram intervenções na mesma linha.
Por sua vez, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que fez uma intervenção centrada nas questões económicas, nas questões europeias e na dívida, sustentou que a mutualização da dívida vai acontecer por iniciativa da União Europeia e defendeu que esta questão não deve ser transformada numa proposta portuguesa, mas que deve ser deixada à iniciativa europeia.
Consenso, fundos e dívida
Além da dívidas os outros dois temas fortes da reunião foram os fundos estruturais e a necessidade de consensos políticos.
O primeiro-ministro explicou os critérios que presidiram ao acordo com a Europa sobre os fundos estruturais até 2020. E a actuação do Governo neste domínio foi elogiada por todos. Mesmo o secretário-geral do PS reconheceu que o dossier foi bem conduzido pelo Governo de Passos Coelho, elogiou o documento elaborado pelo executivo e assumiu que, neste assunto, houve diálogo entre o Governo e o PS.

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