sábado, 12 de julho de 2014



Economia/Política

10:29

“Temos uma mentalidade de gueixa em Bruxelas”

CARLA CASTRO
“Temos uma mentalidade de gueixa em Bruxelas”
Depois do Manifesto dos 74, de que foi um dos mentores, João Cravinho explica agora em livro três possíveis soluções europeias para reestruturação da dívida.
A discussão vai dominar a política portuguesa e europeia nos próximos anos. João Cravinho antecipa-se e lança para cima da mesa três possíveis soluções de reestruturação da dívida, todas elas no âmbito da UE, para resolver um problema que não é só de Portugal, mas de vários países da zona euro. Quanto à Alemanha tem de ser convencida que a solução é do seu interesse e avisada das possíveis consequências desastrosas de se prosseguir com a austeridade.
Porque surge este livro? Escrevi este livro porque a reestruturação da dívida é urgente, é uma necessidade para que o país possa viver com crescimento e com uma sustentação de níveis mínimos de bem-estar, em vez de continuar nesta queda absolutamente sufocante que elimina o espaço de crescimento e que constrange as pessoas e as famílias a situações que são insuportáveis. Há alternativa e essa alternativa pode e deve desenvolver-se no âmbito da União Económica e Monetária e dos mecanismos necessários para resolver o problema da dívida, que não é de Portugal. Dentro da zona euro, a maioria dos países estão em situação de dívida excessiva. 

A reestruturação partiria então de uma atitude concertada entre países?Sim, trata-se de dotar a UEM de um mecanismo de resolução de crises de dívida soberana. Há várias soluções, mas há três condições essenciais mínimas: a primeira é que tem de haver um abaixamento de juros. E isso é possível usando toda a credibilidade reputacional que uma solução no âmbito da UEM tem. É possível trazer os juros para níveis próximos do que hoje a Alemanha paga. Segunda: tem de haver um grande alongamento das maturidades da dívida para a ordem dos 40 anos ou mais. Temos, hoje, amortizações da dívida que são o quádruplo do que sucede na Alemanha. Terceira: precisamos de reestruturar dívida acima dos 60% do PIB. Estamos com 135% de dívida acima do PIB e, portanto, temos de reestruturar 75%. E há outros países que estão em situações idênticas. 

O que é para si uma reestruturação responsável da dívida?Qualquer alteração de termos contratualizados é, tecnicamente, uma reestruturação. E o que designa o termo é uma alteração por força de lei ou negociada, por acordo entre as partes, que torna a dívida susceptível de ser suportada pelo devedor. Se tem perdões ou não, as opiniões aí podem variar. 

Como é que se chega a acordo com os países credoresa para a reestruturação, nomeadamente com a Alemanha?Apelando ao interesse comum. A Alemanha estará numa solução que perceba que é do seu interesse. Quando perceber as consequências que poderão ser desastrosas para si. Aliás, foi nessa base que Angela Merkel decidiu não deixar cair a Grécia. Não sabia qual era o custo dessa opção.

Como olha para a questão do federalismo na Europa?Já estão a ser aplicadas soluções que antes da crise eram impensáveis. Têm um certo cunho de federalização. Agora, o federalismo como projecto político não está no horizonte. Não tem realidade que o possa suportar. Tudo ronda muito em termos daquilo que se teme que venha a suceder na Europa se se prosseguir esta política de austeridade. Repare que a resposta ao Monti foi o Beppe. Essa foi a primeira grande lição que a Alemanha aprendeu. Há também um problema em França e em Espanha as pessoas não estão a ver a afirmação nacional que o país vai ter de ter daqui em diante para combater o separatismo catalão e basco. Não é possível, de forma alguma, coadunar isso com a ideia de um ministro das Finanças europeu, que é amigo do senhor Schauble, a mandar no governo espanhol. 

Quando é que acha que a situação se vai tornar insustentável e governo terá de admitir a reestruturação?Não faço previsões desse tipo. O que eu faço é uma análise de situação: dentro de um, dois, três anos, esse problema vai pôr-se em vários países com razões às vezes diferentes. Mas com tal força que, ou a União se desfaz e o euro implode, ou o euro implode e a União se desfaz. 

Como avalia a posição portuguesa perante a UE?Nós temos uma mentalidade de gueixa. Estamos convencidos de que sendo bons rapazes, bons alunos, os problemas se resolvem porque hão-de ter uma atenção para connosco. Não temos uma representação dos interesses nacionais em Bruxelas e em Frankfurt.

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