segunda-feira, 4 de agosto de 2014


Economia/Política

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“Não podemos voltar ao erro de pôr os contribuintes a pagar as perdas de um banco”

CATARINA DUARTE
“Não podemos voltar ao erro de pôr os contribuintes a pagar as perdas de um banco”
Portugal é o primeiro país a testar as bases da união bancária. Já existem princípios que devem ser “respeitados” e usados para “enquadrar” o plano de acção para salvar o BES, diz Elisa Ferreira.
Portugal volta a ser ensombrado pelo fantasma da falência de um banco, numa altura em que as bases da união bancária estão lançadas, mas não estão ainda operacionais. Elisa Ferreira - a eurodeputada socialista que foi relatora da proposta do Parlamento Europeu sobre o mecanismo de resolução bancária - acredita que, embora não estejam formalmente em vigor, já existem princípios que devem ser respeitados e que espera que "iluminem ou enquadrem aquilo a que vier decidido em relação ao BES".
Estamos perante o primeiro grande teste à união bancária?

Temos de aguardar pelos detalhes do plano. Mas isto prova que todo o modelo da união bancária é mesmo necessário e, neste caso, só perde por acontecer antes das peças fundamentais da futura união bancária estarem prontas. De qualquer modo, temos já alguns princípios fundamentais que, embora não estejam formalmente em vigor, constituem um quadro de princípios a respeitar e que, espero, iluminem ou enquadrem aquilo que vier decidido em relação ao BES. 

Um dos objectivos da união bancária é separar o risco da dívida soberana do risco da banca. As bases da união bancária estão lançadas, mas não plenamente em vigor. Existe o risco de serem de novo os contribuintes a pagar o resgate ao BES?

Existem alguns princípios que convém invocar neste momento. Um deles, e esse já está em vigor, é que, ao abrigo da legislação europeia, qualquer ajuda do Estado, ou seja, qualquer envolvimento de dinheiros públicos na tentativa de resolver o problema do banco, só pode ser feita desde que haja alguma perda imputada aos accionistas e outros credores. A ideia de que o dinheiro público pode recapitalizar a banca cobrindo perdas de accionistas e outros credores não é aceitável porque viola outro princípio já em vigor, o das ajudas de Estado. 

E que outros princípios?

O segundo princípio importante é o fundo de resolução, que já existe em Portugal, embora ainda não com este nome. O embrião já existe e a partir do próximo ano haverá mesmo a constituição com os valores e os termos daquilo que é imposto pela legislação europeia. Se o dinheiro a aplicar no banco for originário, se for uma espécie de antecipação desse fundo de resolução, em última instância o reembolso desse dinheiro terá de ser feito. 

E quem é responsável por isso?

A responsabilidade pelo seu reembolso cairá nas mãos da banca e não dos contribuintes. Se quisermos tirar todas as ilações da nova legislação que existe, é uma antecipação que o Estado pode fazer relativamente à utilização de um fundo que tem de ser depois reembolsado junto da banca que subsistir e do próprio banco que venha a surgir, se houver alguma hipótese de surgir daqui um banco bom. Mais do que utilizar dinheiros públicos para cobrir perdas de actores privados - sejam accionistas ou outros credores - esses fundos seriam aplicados depois de ser feito o ‘bail in', isto é, importação de perdas aos accionistas e outros credores, no momento em que na legislação europeia aponta para no mínimo 7% das responsabilidades totais do banco. A seguir o fundo seria preferencialmente utilizado para permitir a transferência de activos para novos bancos ou a venda de activos e cobrir as imparidades de modo a permitir essa transferência de activos, não propriamente a cobrir perdas internas ao banco tal como ele existe agora. 

A lei não distingue os grandes dos pequenos accionistas, nem os mais qualificados dos menos. O pequeno accionista fica desprotegido? 

A legislação tal como existe neste momento não faz essa discriminação. O que faz é uma discriminação por hierarquia de credores. Mas a entidade de resolução tem alguma margem de manobra para identificar sobretudo perdas que possam previsivelmente ter um impacto sistémico. E se determinadas perdas imputadas a determinados credores são consideradas como sendo tão sensíveis que o risco de generalizar um pânico ou um impacto sistémico existir, há alguma margem de flexibilidade na hierarquia para a entidade de resolução tratar diferencialmente vários tipos de credores. Mas a lista-tipo é a lista por protecção, credores séniores ou júniores, mais por tipo de título do que propriamente o seu tamanho. Embora também haja a possibilidade de haver uma correlação entre uma coisa e outra, de credores institucionais terem feito as suas participações através de títulos mais sofisticados do que aquilo que eram os produtos considerados mais ‘standard'. Muito embora continuem a estar salvaguardados os depositantes até aos 100 mil euros, e depois nesses depósitos salvaguardados são equiparados também a essa tipologia de depósitos saldos temporariamente altos, resultantes por exemplo de uma venda de um prémio ou de uma herança, e também depósitos de pequenas e médias empresas.

Portugal tem vantagens ou desvantagens por ser o primeiro a testar as bases da união bancária? 

Ninguém ganha quando um banco sistémico como este entra numa situação tão complexa, sobretudo numa fase em que a união bancária tem os princípios estabelecidos, mas não está operacional. Não me parece que ganhemos nada com isto. Portugal estava a tentar sair do ajustamento e isto não colabora de maneira nenhuma. Acho que temos um aspecto positivo que são os tais princípios, alguns dos quais até já introduzidos na legislação portuguesa, porque a legislação portuguesa também já foi revista relativamente à falência bancária e já permite por exemplo imputação de perdas a credores. Acho que nos permite alguma margem de flexibilidade, mas espero que essa margem não seja usada para politicamente se tornar a fazer o mesmo que se fez no passado que é pôr os contribuintes a pagar as perdas dos accionistas. Esta lição deve ficar devidamente aprendida: não são os contribuintes que devem ser chamados a pagar pelas perdas do banco.

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