quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Sociedade Aberta

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Wolfgang Munchau

Bundesbank abandona princípios

WOLFGANG MUNCHAU
Quando uma instituição conservadora como o banco central alemão defende que os salários devem aumentar mais rapidamente do que no passado é porque algo correu mal na maior economia da Europa.
E o que é que correu mal? Quase toda a gente em Frankfurt - sede do Bundesbank e do Banco Central Europeu (BCE) - subestimou a persistência da inflação baixa. 
A taxa de inflação na zona euro caiu significativamente em Novembro e estabilizou em 0,4% em Julho. As sanções à Rússia vão ter impacto na economia europeia e obrigar a inflação a manter-se em níveis baixos por mais tempo. A economia italiana está novamente estagnada e a retoma perdeu o ímpeto nos restantes estados membros do euro. A economia alemã, pelo contrário, manteve-se robusta, apesar de a inflação continuar muito abaixo da meta definida pelo BCE, isto é, inferior a 2%. 

O Bundesbank propõe um aumento salarial de 3%, reflectindo a lógica das negociações salariais alemãs, que normalmente têm em consideração dois conjuntos de dados: a taxa de inflação nacional e o crescimento da produtividade. A meta de inflação de 3% definida pelo Bundesbank espelha a meta de inflação do BCE e o crescimento da produtividade previsto para este ano. Ora bem, esta estimativa tem três problemas. 

O primeiro chama-se inflação. Por que haverá um empregador de fingir que os preços vão subir 2% quando o BCE se tem mostrado sucessivamente incapaz de cumprir essa meta? Actualmente, a inflação é de 0,4% e não deverá atingir a meta durante o período abrangido pelas negociações: um a dois anos. 

O segundo problema prende-se com o aumento da produtividade, cujos frutos, se prevalecesse a vontade do Bundesbank, seriam distribuídos pelos trabalhadores. Estes rejubilariam, sem dúvida, mas por que têm os empregadores de abdicar voluntariamente de todos os ganhos de produtividade se não são obrigados a fazê-lo? 

O terceiro problema tem a ver com o crescente fosso entre os valores salariais negociados e os salários reais. Somente 18% da população activa é sindicalizada - uma das taxas mais baixas da União Europeia - e, em muitos casos, os acordos negociados nas empresas sobrepõem-se aos acordos negociados ao nível nacional. 

Segundo Hans-Werner Sinn, presidente do Ifo - Institute for Economic Research, o Bundesbank está interessado numa subida da inflação para evitar que o BCE introduza uma política de alívio quantitativo. A ser verdade, duvido que a estratégia funcione. Há 20 anos o ambiente económico talvez fosse mais receptivo, mas o mercado laboral alemão mudou. A Alemanha, em tempos economicamente autónoma, faz hoje parte de uma união monetária com cerca de quatro vezes a dimensão do país. 

O apelo do Bundesbank a favor de salários mais altos é, pois, um sinal de desespero e falta de vontade para resolver o problema subjacente: a quebra na procura agregada provocada pela crise financeira, pelo excesso de austeridade e pelos sucessivos erros de política monetária. Em suma, o que a zona euro precisa é de uma nova expansão monetária. O BCE devia ter arrancado com um programa de compra de activos em grande escala há pelo menos um ano. Fazê-lo agora é um dever. Da mesma forma que a União deve autorizar os governos a ultrapassar as metas orçamentais para este ano e suspender o compacto orçamental, cujos penosos efeitos se farão sentir a partir de 2016.
OS INTERESSES DA ALEMANHA PREJUDICARAM FORTEMENTE A UNIÃO MONETÁRIA E A UE.
DECIDEM TARDE E MAL.
O BCE TEM DE MUDAR DE RUMO E ESQUECER A AUSTERIDADE.

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