O Prof. Marcelo Lamy, Director da Escola Superior de Direito Constitucional, em São Paulo, caro confrade na (informal) Sociedade dos Barbudos, obsequiou-me há tempos com um precioso livro de crónicas de Afonso Romano de Sant’Anna, contendo o delicioso ensaio “Metafísica da barba”. Em conversa informal com amigos do Clube 4.ª Dimensão, lembrámo-nos de outra metafísica do nosso tempo: a da gravata. Decidi, pois, deixar os grandes problemas políticos, e escavar o dia-a-dia, em breve reflexão semiótica, recordando dois grandes observadores subtis do quotidiano e das suas Mitologias: Roland Barthes e Umberto Eco.Vamos então à gravata. Casos fictícios, nomes supostos:Alberto formou-se em Direito, pouco depois do 25 de Abril. Arranjou patrono chic. Quando ia ao escritório, estagiar, era confundido com o “dactilógrafo”. Ao tempo, ainda os havia. Passou então a usar gravata. Na Universidade, dizia-se, um assistente tivera que deixar crescer bigode. Antes disso, um grande médico fora obrigado, pela força do marketing, a deixar crescer a barba. Aqui se misturam as metafísicas, como se vê. Creiam que, com gravata, foi longe. Também deixou crescer uma barbicha. Dupla metafísica. Simpatizo com o Alberto.Brízida tinha problemas de auto-confiança. Era muito talentosa, mas não se sentia de bem consigo. Estudou Biologia para perceber os segredos do ser. Pós-graduou-se em Filosofia em Paris, e durante o curso frequentou cafés intelectuais. Um dia, uma amiga ofereceu-lhe uma gravata. Não sabemos se por amizade ou brincadeira. A verdade é que resolveu usá-la. Sempre que vai a festas importantes, trocou o vestido por gravata e ar sufragista. Triunfa, pelo mistério. Deixou de pensar nos mistérios do ser. Gosto da Belmira.Carlos era um eloquente professor de esquerda nos tempos de latente revolta estudantil. Usava sempre gravata vermelha. Para se distinguir dos professores da direita. Os estudantes, já então pouco sensíveis a essas subtilezas simbólicas, acharam-no igualmente retrógrado. Mas conseguiu fazer a diferença. Com a eclosão da revolução, não tirou a gravata, enquanto a maioria dos colegas se desengravatou, por convicção fresca ou receio. É verdade que alguns continuaram muito distintos, com camisolas de gola alta... Ele foi coerente. Bravo, Carlos!Dimas era senhor de umas barbas (de novo as barbas) encaracoladas aos cachinhos pequenos que por si mesmas esconderiam qualquer gravata. Uma noite, viajando para o estrangeiro, foi desafiado para tomar um copo num clube requintado. À entrada, um porteiro cortês esclareceu-o que a admissão era reservada a cavalheiros com gravata (não a exigiam às senhoras, o que Dimas achou discriminação). De qualquer forma, não teve mais: à falta do adereço, tirou o cinto e enrolou-o com nó britânico à volta do colarinho, para espanto mal disfarçado do segurança. Entrou e bebeu um uísque caríssimo. Grande Dimas!Eduardo era funcionário superior num ministério. Numa ronda por uma repartição, descobriu incidentalmente que havia aí uma gravata rotativa para quem fosse chamado ao director. No seu gabinete, passou então a ter uma gravata castanha escura, com o nó já dado, para quando entrasse alguém importante. Engenhoso Eduardo!Filipe fez exame com um catedrático muito importante na política, há muitos anos já. No meio da oral, este volveu-lhe, irónico: “- Vejo que o senhor está muito à vontade”. Sem entender, respondeu: “- Muito obrigado, Senhor Professor. Com efeito estudei muito”. “Nesse caso – ripostou o professor – venha para o ano mais compostinho”. Fora – sacrilégio – para o exame sem gravata. Pobre Filipe.Guilherme dava aulas numa escola pública, dirigida por um rigorista: “- Bom dia, senhor Professor. Não o sabia em férias”. Era, de novo, a falta da gravata.Hipólito foi convidado para jantar num clube fechado. Com muitos rodeios, o anfitrião preveniu-o da necessidade do uso do adereço. Ponderou, foi de laço, e entrou. Afinal, o laço é “gravatinha borboleta”. Hipólito, seu maroto...E quando cumprimentamos, solícitos, o Inácio, secretário mais velho e bem posto de Jesuíno, um figurão jovem e à desportiva? Grande gaffe!As gravatas têm peso como as cordas ao pescoço. Peso de poder. Símbolo de canga e imposição de bom comportamento. Mas também viseira de cavaleiro ao ataque: elmo emplumado. Crista de galo e laço de enforcado. Gravatas: mesmo quando não as usamos elas nos esganam com a sua presença ausente.
pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 26-07-2007
5 comentários:
Desde que Paulo Portas começou a usar gravata, esta, não sei se por artes mágicas, começou a ficar-lhe mais apertada ao ponto de lhe estar a tirar o ar.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, cantava o Vate.Noutros tempos, não tão longínquos, a gravata tinha que combinar com a camisa e com o fato, o que era uma trabalheira do caraças, convenhamos. Agora, isso passou de moda e gravata às riscas de côr de burro quando foge, com camisa às pintinhas côr de rosa (a nova côr do Benfica!) num fato distinto (tipo Armani ou similar) já fica bem, sendo certo que a gravata lisa de uma só côr é que está a dar, ao que julgo, pois não sou entendido na matéria. E não é que eu não tenho nenhuma naquelas condições? E barbas, afinal estão ou não em uso? Eu mantenho ainda a minha já velhinha, mas não sei bem o que fazer. Alguém me aconselha? É que eu, de moda (e não só, e não só), não sou lá muito entendido como digo e, confesso, também não gosto de deixar mal os amigos quando sou convidade para uma qualquer "venissage".
Artigo de férias, comentário das ditas. O ecletismo do Amigo Paulo Cunha nunca deixa de espantar.
Muito obrigado, Caríssimo Amigo Dr. Ribeiro da Cunha. Até depois da pausa lectiva de Verão! Sem gravata, claro!
Só agora li o seu comentário. Sem gravata, claro; mas com barbas, não?
Barbas, sem dúvida. Mas curtas, por causa do calor...
E um grande abraço, para si e todos do Clube...
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