terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ainda a Crise Universitária

A Universidade vive, sem dúvida, a sua maior crise desde sempre. Crise que bem pode custar-lhe a vida, ou seja, a identidade. Preservará sempre, naturalmente, evidentemente, o seu nome (que continua prestigiado - até à falta de melhor...) e certamente, também, um punhado de resíduos desconjuntados do que foi e fez a sua glória e utilidade, mas poderá passar a ser – sem apelo nem agravo - algo de muito diferente.Uma das maiores doenças que a afectam (e são múltiplas) é o enorme abismo, todos os dias mais cavado, entre saber e poder, e entre ciência e pedagogia. Uma palavra sobre esta última faceta, de vera esquizofrenia: enquanto uma personalidade dos docentes tem de afirmar, intra e extra muros, a maior excelência científica (ou seja, a capacidade de compreender e fazer avançar conhecimentos nada fáceis: cada vez mais complexos), a outra personalidade, a pedagógica, é tida por alguns como só válida, só aceitável, se vulgarizar e rebaixar o nível dos conhecimentos e mesmo das bitolas classificatórias ao grau zero (ou infra-zero) da compreensão de universitários que à Universidade cada vez mais chegam menos preparados para o que deles se deveria exigir. É clamorosa a má preparação que o ensino secundário propicia para o que devia requerer-se na Universidade.Um exemplo apenas daquilo a que chegamos. Quando um aluno de Direito, quaisquer que hajam sido as suas razões, chega a esfaquear um professor universitário de Direito, quem pode estar seguro? Quem não terá tido a tentação de apenas deixar correr, para sobreviver sem agressões? Conhecemos já um professor que dizia: “as notas dos exames não me saem da carteira”....Nesta situação, o jogo do faz de conta pode vir a impor-se. E se se colocam nos píncaros falsas celebridades, e elegem como critérios de qualidade meros renomes formais, até sob preconceito imperialista (aceitando como regras do jogo as impostas por outros, muito longe da nossa cultura, portuguesa, e europeia continental), também não parece haver coragem para encarar a realidade, de frente, sobre as fontes que realmente imperam na Academia. Não é só o economicismo imperante, e a permanente mudança das regras, que geram oportunismo e arrivismo, e esboroam ritos ancestrais, provados pela experiência. Uma Universidade não é uma mercearia, nem um hipermercado de “canudos”. Assemelha-se mais a um templo. Templo do saber. Daí que os valores e os comportamentos na Universidade tivessem de ter o decorum que se exige nos templos. Mas como? Passar pelos corredores de muitas universidades é uma experiência fantástica, hoje em dia...Perdeu-se a memória, perdeu-se o decorum, perdeu-se a docilitas, e perdeu-se, naturalmente, a atenção. Tudo tem de ser rápido, consumível e apetecível. O enorme bocejo está já aí, se não se dizem coisas excitantes. É uma tendência geral. Mesmo os políticos tiveram de se adaptar: os chefes de Estado, outrora sacrossantos, entram em intimidade televisiva em grandes planos, e até as agências oficiais de comunicação social recomendam aos partidos que façam campanhas eleitorais com videoclips e sem texto (como lembrou um Régis Debray, em L’État séducteur, Paris, Gallimard, 1993, p. 21). Tudo tem que ser fácil e rapidamente consumível.A verdade, triste verdade, é que o estudante médio acha já intrinsecamente um escândalo ter de ler mais que umas folhinhas miúdas, e já não será certamente o docente universitário quem o irá fazer mudar de hábitos e convicções. A aversão à leitura e por vezes à própria cultura de muitos dos que entram na Universidade é algo que os professores não querem ver, mas que está aí, mais e mais. E será a semente para muitos outros problemas... Como poderá haver mínimo respeito (já nem se fala em veneração) pelo saber e pelos seus cultores se o que se pretende tantas, demasiadas vezes, da Universidade é apenas uma licença profissionalizante, carta de alforria para ter liberdade não de estudar por si (isso era a licença da Licenciatura) mas, muito mais prosaicamente, um passaporte para ganhar dinheiro?Perante a mudança completa do que se pretende com a Universidade, alguns professores podem tornar-se demagogos populares, dizer mal dos colegas bota-de-elástico e juntar-se a um novo PREC (“Processo revolucionário em Curso”). Outros podem esconder a cabeça na areia e fingir que a sua torre de marfim ainda resiste. Mas haverá quem tenha de resistir. Ponderando e agindo. E reivindicando a fidelidade ao espírito universitário europeu. Com Bolonha, mas para além de Bolonha...

pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 02-08-2007

2 comentários:

R. da Cunha disse...

Diria que há (muitas) excepções, mas não sendo hipermercados de canudos, algumas faculdades parecem pequenas fabriquetas de produtos de grande consumo e de qualidade duvidosa. A Universidade TEM DE SER uma "fábica" de produtos de qualidade para um mercado exigente. Quem culpamos?

R. da Cunha disse...

Pretendo dedicar-me ao fabrico de produtos de alta qualidade, num mercado altamente competitivo, com uma clientela muito exigente, que não olha ao preço mas sim à qualidade. Que faço?
Desde logo, tenho que identificar o público-alvo; depois vou procurar recursos humanos de alta craveira para todas as áreas; identificarei os possíveis fornecedores de matérias primas ou componentes necessários à laboração, exigindo-lhes qualidade superior homogénea; se, mesmo assim, tiver dúvidas sobre a qualidade daqueles fornecimentos, disporei de laboratórios (próprios ou externos) para me certificar de que a cadeia produtiva não vai sofrer de quebras; antes de colocar o produto à venda, haverá um último controle de qualidade.
Finalmente, o produto vai para o mercado e espero que tenha o sucesso que bem mereço.
Parece-me que me enganei. "Isto" não era para publicar aqui!...