A política corre mal por uma de três razões, duas delas, ou pelas três. A primeira é óbvia. As pessoas não se entendem porque têm ideologias diferentes. Se quero liberdade e tu ditadura, não temos forma de nos conciliar. Se quero emprego e tu desemprego, há dificuldade em encontrar equilíbrio. Se advogas privilégios e eu desejo igualdade, onde podemos encontrar-nos? A segunda razão da discórdia tem a ver com a inteligência e o conhecimento. Notável, no início da nossa actual democracia, foi o facto de os grandes líderes emergentes das forças políticas essenciais, o Prof. Freitas do Amaral, o Dr. Sá Carneiro, o Dr. Mário Soares e o Dr. Álvaro Cunhal, com todas as suas divergências ideológicas, terem ao mesmo tempo inteligência e conhecimento (jurídico, desde logo, e de cultura) que lhes permitia repousarem sobre uma base comum de discussão. Terrível é se eu falar em alhos, e tu entenderes bugalhos. Quando não há conhecimento factual, nem cultura que permitam saber do que se fala, e entender objectivamente a denotação e a conotação das palavras, gera-se uma patológica desconfiança, e o mal-entendido é permanente. É portanto essencial que, para além das divergências ideológicas, as pessoas tenham uma linguagem comum, se entendam – até para melhor compreenderem o que os une e o que os separa. E o curioso pode acontecer, e tem acontecido: partidos de ideologias diferentes, e até conflituantes em muitos casos, a trabalhar em conjunto. Porquê? Porque pela inteligência e pela cultura se viu o que é convergência para lá do que é divergência.Digamos que a capacidade de entendimento se potencia pelo conhecimento e pela inteligência dos líderes políticos, conseguindo, pontualmente, superar as divergências ideológicas.Mas não chega inteligência e conhecimento. É preciso educação, é preciso trato, é preciso chá. É preciso vontade de cooperar e sentido de Estado. Sem educação e senso de convivência (obviamente cortando a direito quando é preciso cortar a direito: quem não se sente não é filho de boa gente) as ideologias e partidos tornam-se religiões inquisitoriais e a caça às bruxas pode começar. Sem educação e respeito pelos outros (e por si próprio: desde logo pelos compromissos assumidos) a política torna-se um pântano sem nome, onde vale tudo.A educação é apenas a camada superficial da profunda ética. Pode haver trato hipócrita, mas, nas ocasiões decisivas, salta a verdade ao cimo. Pode um político até ser ideologicamente moderado, capaz de convivência com outras ideias, até pela sua compreensão, pela sua inteligência e informação. Pode esse político até ser educado, polido. Se não tiver uma escrupulosa ética, tudo isso será vão e soará a postiço. O pior é que não passamos, e a custo, da primeira barreira. A pretensa “morte das ideologias” esbateu alguns ódios entre partidos; mas, para muitos, clubismo e bairrismo partidários ainda falam mais alto. E essa pseudo-morte é apenas o triunfo de três ideologias perversas e objectivamente aliadas: a tecnocracia economicista, o politicamente correcto e o populismo demagógico do bota-abaixo. Logo, o pouco que aí se progrediu, é parco.A qualidade do pessoal político tem vindo a decair. Muitos o vão reconhecendo. Do mesmo modo que a formação efectiva deixa a desejar. Lembremo-nos do teste de História no Parlamento… E se fosse feito aos políticos um exame de Direito Público? Afinal, eles é que determinam a lei em que vivemos... Como podem ignorar?Restaria a educação e a ética. Ora os índices de corrupção que têm vindo a público não são tranquilizadores, e até os conflitos internos dos partidos (em que estaria, em teoria, assegurada a harmonia ideológica) não parecem muito edificantes.Estamos deficitários em todos os factores, menos naquele que porventura é o menos importante. Com efeito, se a hipotética homogeneidade ideologica q.b. de um qualquer partido não for suficiente para conter e se sobrepor quer a problemas de falta de cultura, preparação, formação, quer a problemas de educação e ética, se, afinal, a comunhão de ideias não for capaz de soar mais alto que incompreensões, incompetências, e faltas de educação e condutas correctas, perguntar-se-á qual a razão da confluência sob bandeira comum. O problema é muito mais vasto do que alguns, imediatistas, poderão pensar. Não é problema a que o cidadão comum possa estar alheio. Porque, desde logo, os partidos são esteios da nossa vida colectiva. Dependemos muito mais deles do que pensamos. Uma das preces cívicas do bom cidadão deveria ser: “Por bons partidos, oremus…”.
pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 18-10-2007
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