Há cargos que nos chamam, como que naturalmente. Não sei se por vocação, se mais por hábito de nos verem neles. Desde que presidi a plenários estudantis, tem-me cabido, com frequência que se diria inscrita na natureza das coisas, a ingrata tarefa de moderação ou presidência de mesas disto e daquilo. É, realmente, uma tarefa ingrata por muitos motivos. As fotos de algumas dessas sessões espelham a minha sisudez, vergado ao peso da responsabilidade...Não sei se muitos terão já pensado nas angústias desse presidente que preside mesmo, perante público, em inter-acção com ele.Tudo e o contrário de tudo se espera de um coordenador de sessão pública.O primeiro que se requer deste cargo é que o seu ocupante seja tanto profundo como leve, tanto sisudo e sério como agradável e até humorístico, tanto descontraído como formal.Muito importante e muito esperado é que meta na ordem, severo, ríspido (ou ao invés diplomático) todos os que se alongam, se perdem, falam apenas para se ouvir. Mas ninguém que se alonga, se perde, ou arenga sem norte quer ser metido na ordem, e todos acham que a sua intervenção é muito pertinente e sacrilégio que seja sintetizada. Nem pensar em interrompida.É ainda esperado que conheça profundamente as matérias de todos os oradores, mas que não se substitua a nenhum. Quer-se que não fale, mas deixe falar. E que não deixe falar quem não deve, sem ser indelicado...Enfim, o presidente de mesa é um paradoxo vivo: quer-se que exista e não exista ao mesmo tempo. O pior numa presidência, quando se é inexperiente, é o ter o presidente que calar a sua opinião para não ser faccioso, para não se tornar parcial. Só espíritos muito abertos e treinados a conterem as opiniões efectivamente o conseguem. “Afinal, para que interessa mais uma opinião?” E “perante tantas possíveis, para quê mais a nossa?” – tais podem ser os exercícios, ou “mantras” para o candidato a presidente. Mas também, mesmo assim, a plateia pode ficar frustrada, e querer saber a opinião do moderador. Pode mesmo haver quem, no período de perguntas e respostas, se levante e o interpele. E aí..Aí ou ele faz figura esfíngica e afirma o princípio de equidistância, e não fala. Ou fala mesmo. Será sempre criticado, pelo que fez e pelo que não fezPreso por ter cão...: tal é, em resumo, a sina desta função ingrata, cobiçada apenas pelos fátuos vaidosos que cobiçam ficar na fotografia.Essa sim, é generosa para com os presidentes.Generosa? Não diria tanto. Porque os apanham em poses sui generis. A mim, significativamente, cabisbaixo ou de braços enrolados, como que a dizer: eles é que falam, os conferencistas - eu estou de braços cruzados. Não por nada fazer, mas por nada (na verdade, muito pouco) poder fazer.Nestes debates, habituado que estou a todas as contradições do cargo, já só me custam mesmo os limites de tempo finais para as sessões.Por exemplo: ter de acabar à meia-noite. Na verdade, quase sempre ainda alargo as sessões para mais um bom quarto de hora académico de tolerância. No meu relógio, acabam a uma meia-noite muito dilatada, que é, no relógio alheio, meia noite e um quarto. Mas é claro que, sendo o moderador o mais escravo do tempo e devendo ser o mais cumpridor de todos os membros de uma mesa, tenho de fazer os maiores esforços - que alguns poderão até confundir com excesso de zelo - para acabar a horas.E é um esforço hercúleo, porque as coisas começam normalmente a aquecer precisamente depois de uma ou até duas rondas de questões à mesa. Começamos a aquecer tarde os motores da dialéctica. Os Portugueses têm pouco o hábito de debater com regra. Ou se acanham, ou se agridem… Civismo em falta.Mas qual não é o meu espanto, mesmo depois de encerrada uma sessão, afinal ninguém nos põe na rua. E toda a gente, como se fossem ainda horas de começar, desata a conversar longo tempo pelos corredores... E fico então com dúvidas sobre o meu papel disciplinador, e com a sensação de que poderíamos ter continuado alegremente a discutir até, pelo menos, à uma da manhã.Para as próximas, prometo sempre a mim mesmo, não vou acreditar no feitiço da Cinderela, e com ou sem sapatinho, com ou sem carruagem-abóbora, vamos continuar a conversar. Noite adentro. Mas, quando me vem o funcionário de turno dizer que o limite é a meia-noite, sempre tendo a acreditar que daquela vez é a sério, e devo administrar o tempo parcimoniosamente.Do mesmo modo que quando me dizem que é para começar às 21 ou 21.30 h, em ponto. A pontualidade é uma fé, ou melhor: uma esperança.
pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 01-11-2007
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