Paradoxo: durante o Estado Novo, muitos professores, embora constrangidos pela situação, eram democratas, semeadores de democracia, civismo, espírito livre. Até figuras do regime assumiram atitudes de defesa da autonomia universitária e protegeram estudantes. Já em democracia, muitos se acomodaram, cumprem ordens, debitam programas, e outros manifestam tiques de autoritarismo. Enfim, a nossa compleição moral está doente. Independentemente dos governos, que nunca nos governam o espírito. Avaliação, questão polémica. Quem conhece a escola sabe que, embora com excepções, é lugar de grande malquerença. Um trabalho muito isolado e a auto-imagem desmedida de muitos docentes, sem ironia e auto-ironia, conduzem a grande rivalidade, que outrora se mascarava de hipocrisia, mas a que a agressividade crescente de hoje fez estalar os verniz e cair a máscara. Não estamos a falar de sociedades de sábios que fossem anjos. Quem vai avaliar quem? Primeiro problema: competência dos avaliadores. Se numa Faculdade de Belas Artes o director é docente formado em finanças, administração, ou direito, imaginemos que lá posto pelos artistas para não se preocuparem – e justamente - com o que considerariam ser a chatice da gestão, será que ele tem competência para avaliar os catedráticos de pintura ou de escultura? Claro que os pode avaliar pela assiduidade, ou pelo nariz. Ou basear-se nos inquéritos aos estudantes que, mesmo quando sérios, são obviamente de popularidade, e nada mais. Pais e autarcas a avaliar professores? Não me façam rir. Sou pai e sou autarca...que competência isso me dá? Avaliação por quem, da mesma área científica do avaliado, hierarquicamente conquistou em concursos, teses, e mil e um trabalhos sérios o topo da carreira, isso seria justo. Mas estará garantido? Se não estiver, a avaliação passará de coisa útil a muito nociva. E nem assim tudo o que reluz é oiro: quantos catedráticos cheios de competência não temerão os meros responsáveis pelas burocracias, por vezes assistentes, que têm poder para lhes fazer os horários, ou de quem dependem para correcção das provas e outras tarefas ancilares, que realmente já lhes deveriam ser explicitamente poupadas? Ou os bem posicionados nas instâncias electivas das escolas, que podem infernizar a vida quotidiana do Mestre, e até sublevar os alunos contra ele? Todas as avaliações deveriam ser externas. Por quem nada tivesse a perder ou a ganhar. Mas aí lá vem o perigo do laxismo. O avaliador externo, que não sofre as consequências do seu acto, pode então pensar: se o querem, que fiquem com ele. Lava as mãos como Pilatos, passa e promove. Não haver avaliação é mau. Mas nas Universidades, sempre houve avaliação, a mais difícil de toda a Administração. Não poderia agora sobrepor-se-lhe outra, decalcada da concebida para mangas de alpaca. Um professor não é um amanuense.E há sinais de autoritarismo. Pior: inquisitorialismo. Transcrevo entrevista de um professor universitário, citada na Internet - O nosso colega DANIEL LUIS vive uma situação dramática! :“O Conselho de Departamento (…) deliberou, numa reunião, que estes meus projectos na blogosfera tinham que ser encerrados. Segundo argumentam, desprestigiam a minha própria imagem, a imagem do departamento e, acima de tudo, a imagem da universidade. Além disso, (…) dizem que eu faço lá coisas que não têm nada a ver com a minha profissão e que um docente universitário não pode ser escritor criativo nem humorista. Portanto, proibiram-me também de participar em eventos ligados ao humor.(...) Por que é (...) não recorreu a outros órgãos da Universidade? Eu pensei nisso tudo. Agora o que é facto é que esta foi uma decisão tomada em família. Sou casado, a minha mulher não tem emprego, tenho um filho pequeno para criar e preciso do ordenado para pagar a dívida da casa, para pagar o carro e por aí fora. (...) Vejo todos os dias à minha volta pessoas com medo de falar e de escrever aquilo que pensam, pessoas com medo de assumir aquilo que lhes vai na alma, precisamente com medo de sofrer represálias (…)”. A ser verdade, é um escândalo que envergonha a Universidade e o País. Como se pode assim atropelar os direitos fundamentais e ter tão tacanha noção do que é ser Professor? E se a moda pega? Hoje os outros, amanhã nós. Nunca o esqueçamos. Ninguém está a salvo da arbitrariedade. Culpa do Governo, dos Ministros, da Lei? Nada disso. Culpa do inquisidor-mor que teima em continuar vivo dentro de alguns.
pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 06-03-2008
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