
Mário Soares
1 . Onde estão os neoliberais, que ninguém os ouve? Há meses reclamavam, sem cessar, "menos Estado", mais privatizações. Nada de constrangimentos, de regras éticas, nem de serviços públicos. O importante era "reduzir os impostos", "deixar o mercado funcionar", quanto menos intervenções públicas, melhor. A "auto-regulação do mercado", dirigida pela "mão invisível", era bastante, o ideal. Privatizar os serviços de saúde (uma invenção socialista), a segurança social, as águas, os cemitérios, os correios, os transportes; pôr gestores privados a gerir os parques nacionais, privatizar as pousadas, recorrer a "seguranças privados", mesmo em estado de guerra, como no Iraque; privatizar, privatizar...
Os políticos - e a política - que não alinhassem passaram a ser uma praga, uma arqueologia, vinda de outros tempos, o bom mesmo eram os negócios, quanto mais melhor, a especulação - os políticos nos negócios e os negócios na política - os paraísos fiscais, ganhar dinheiro, a qualquer custo o dinheiro como o supremo valor das sociedades ditas livres e o mercado, "teologizado", como o Deus ex maquina do progresso. As regras para o funcionamento do mercado eram velharias obsoletas.
A própria "democracia dita liberal" escorregou, a pouco e pouco, para a plutocracia. E a pobreza? Os pobres? Os operários, os camponeses, os empregados, as próprias antigamente chamadas classes médias? Deixados entregues à sua sorte, sujeitos à regra da selecção natural, a chamada lei da selva, em que os mais fortes (os ricos) devoram naturalmente os mais fracos (os pobres)... Quanto muito, as almas sensíveis, que não compreendiam o "espírito do tempo", tinham a caridade, um recurso que não prejudicava o sistema e fazia bem às almas...
Assim, o capitalismo americano, na sua fase financeira-especulativa, guiado pela ideologia neoliberal, fortalecida com o colapso do comunismo, influenciou fortemente the way of life americano, a ponto de conduzir a América do Norte às portas do descalabro financeiro e da recessão económica (Bush dixit). Tendo, ao mesmo tempo, efeitos muito negativos na Europa, inclusivamente na esquerda, chamada "terceira via" de Blair e dos seus adeptos... E começa a contaminar todo o mundo.Os maiores bancos e seguradoras - coisa nunca vista, desde 1929 - entraram em falência técnica, devido, em parte, à avidez dos subprime, e voltou-se contra os gestores milionários, ameaçando engolir no descalabro as economias dos que neles confiaram.Resultado: o recurso ao Estado (que heresia para os neoliberais!), como no caso das catástrofes naturais, como o Katrina, por exemplo.
Quem paga? O Estado, quando os privados fogem e assobiam para o lado... Assim surgiu o plano Paulson, feito e refeito, sob a égide de Bush - que aceitou tudo - para salvar o sistema. Mas será que o plano, mobilizando 700 mil milhões de dólares, vai resolver alguma coisa? Ou tenta apenas salvar o sistema, nesta situação única de aperto?
Ora o que está podre, a agonizar, é justamente o capitalismo, na sua fase financeira e especulativa. É isso que se impõe mudar, regularizando a globalização, acabando com os paraísos fiscais, fonte das maiores especulações, introduzindo regras éticas estritas, preocupações sociais e ambientais e, como disse o "extremista" Sarkozy, no seu discurso de Toulon, "metendo na cadeia os grandes responsáveis das falências fraudulentas".Haverá coragem para o fazer e modificar profundamente o sistema? Eis o que não está ainda nada claro, quer na América quer na Europa. A Irlanda foi a primeira a nacionalizar os bancos, seguida pela França, Holanda e pela Alemanha. Mas não será, por enquanto, apenas, uma medida de emergência, para salvar os prevaricadores, contrabalançando isso com fundos destinados a valer aos compradores de casas que nisso empenharam todas as suas poupanças e estão agora em risco de as perder?Veremos, nas próximas semanas, como as crises irão evoluir.
Entretanto, a campanha eleitoral para as presidenciais continua, com uma margem, que parece acentuar-se, em favor de Obama. O debate entre os candidatos a vice- -presidente denunciou as fragilidades de Sarah Palin -- embora saísse melhor do que se previa - mas, incontestavelmente, Joe Biden venceu, aparecendo muito contido, com um modelo de experiência e de tacto diplomático...(dn)
1 . Onde estão os neoliberais, que ninguém os ouve? Há meses reclamavam, sem cessar, "menos Estado", mais privatizações. Nada de constrangimentos, de regras éticas, nem de serviços públicos. O importante era "reduzir os impostos", "deixar o mercado funcionar", quanto menos intervenções públicas, melhor. A "auto-regulação do mercado", dirigida pela "mão invisível", era bastante, o ideal. Privatizar os serviços de saúde (uma invenção socialista), a segurança social, as águas, os cemitérios, os correios, os transportes; pôr gestores privados a gerir os parques nacionais, privatizar as pousadas, recorrer a "seguranças privados", mesmo em estado de guerra, como no Iraque; privatizar, privatizar...
Os políticos - e a política - que não alinhassem passaram a ser uma praga, uma arqueologia, vinda de outros tempos, o bom mesmo eram os negócios, quanto mais melhor, a especulação - os políticos nos negócios e os negócios na política - os paraísos fiscais, ganhar dinheiro, a qualquer custo o dinheiro como o supremo valor das sociedades ditas livres e o mercado, "teologizado", como o Deus ex maquina do progresso. As regras para o funcionamento do mercado eram velharias obsoletas.
A própria "democracia dita liberal" escorregou, a pouco e pouco, para a plutocracia. E a pobreza? Os pobres? Os operários, os camponeses, os empregados, as próprias antigamente chamadas classes médias? Deixados entregues à sua sorte, sujeitos à regra da selecção natural, a chamada lei da selva, em que os mais fortes (os ricos) devoram naturalmente os mais fracos (os pobres)... Quanto muito, as almas sensíveis, que não compreendiam o "espírito do tempo", tinham a caridade, um recurso que não prejudicava o sistema e fazia bem às almas...
Assim, o capitalismo americano, na sua fase financeira-especulativa, guiado pela ideologia neoliberal, fortalecida com o colapso do comunismo, influenciou fortemente the way of life americano, a ponto de conduzir a América do Norte às portas do descalabro financeiro e da recessão económica (Bush dixit). Tendo, ao mesmo tempo, efeitos muito negativos na Europa, inclusivamente na esquerda, chamada "terceira via" de Blair e dos seus adeptos... E começa a contaminar todo o mundo.Os maiores bancos e seguradoras - coisa nunca vista, desde 1929 - entraram em falência técnica, devido, em parte, à avidez dos subprime, e voltou-se contra os gestores milionários, ameaçando engolir no descalabro as economias dos que neles confiaram.Resultado: o recurso ao Estado (que heresia para os neoliberais!), como no caso das catástrofes naturais, como o Katrina, por exemplo.
Quem paga? O Estado, quando os privados fogem e assobiam para o lado... Assim surgiu o plano Paulson, feito e refeito, sob a égide de Bush - que aceitou tudo - para salvar o sistema. Mas será que o plano, mobilizando 700 mil milhões de dólares, vai resolver alguma coisa? Ou tenta apenas salvar o sistema, nesta situação única de aperto?
Ora o que está podre, a agonizar, é justamente o capitalismo, na sua fase financeira e especulativa. É isso que se impõe mudar, regularizando a globalização, acabando com os paraísos fiscais, fonte das maiores especulações, introduzindo regras éticas estritas, preocupações sociais e ambientais e, como disse o "extremista" Sarkozy, no seu discurso de Toulon, "metendo na cadeia os grandes responsáveis das falências fraudulentas".Haverá coragem para o fazer e modificar profundamente o sistema? Eis o que não está ainda nada claro, quer na América quer na Europa. A Irlanda foi a primeira a nacionalizar os bancos, seguida pela França, Holanda e pela Alemanha. Mas não será, por enquanto, apenas, uma medida de emergência, para salvar os prevaricadores, contrabalançando isso com fundos destinados a valer aos compradores de casas que nisso empenharam todas as suas poupanças e estão agora em risco de as perder?Veremos, nas próximas semanas, como as crises irão evoluir.
Entretanto, a campanha eleitoral para as presidenciais continua, com uma margem, que parece acentuar-se, em favor de Obama. O debate entre os candidatos a vice- -presidente denunciou as fragilidades de Sarah Palin -- embora saísse melhor do que se previa - mas, incontestavelmente, Joe Biden venceu, aparecendo muito contido, com um modelo de experiência e de tacto diplomático...(dn)
6 comentários:
O Marocas ainda diz umas coisas acertadas.
É verdade, o Mário Soares continua vivo da costa.
Bem sei, se é que alguma coisa sei deste assunto, que o actual capitalismo financeiro, sem pátria, nem fronteiras, cuja gestão é entregue a gurus reputadíssimos (que se gorvenam como deve ser), é de difícil controlo. Mas o FMI, o Banco Mundial, as "credenciadas" empresas de rating estiveram todos a dormir? Não se sabia há muito que que grande parte dos muitos Fundos que por aí circulam não tinha "substância"? Ou esperava-se que isto fosse tipo correia-sem-fim?
E agora, como vai ser? Vão ser "nacionalizados" todos os bancos e seguradoras por esse mundo fora? Com que meios? E o que vai acontecer à economia real?
E os responsáveis vão ser julgados e penalizados, devolvendo, no mínimo aquilo com que se abarbataram, bem como os bens que de certo possuem?
E depois, há outro aspecto que deve merecer muita atenção aos governantes: a confiança dos depositantes na banca. Se começa uma corrida, dificilmente se a consegue parar.
Os sucessivos e insistentes apelos de altos responsáveis para que o povo "não embarque" em rumores parecem-me um mau presságio. Oxalá tudo não passe de um péssimo pressentimento meu... Afinal, todos teríamos a ganhar, uns (muito) mais do que os outros, é certo e é óbvio, mas todos ganhariam. Ámen.
Que isto não está bom, não. Viram a Islândia? Como é evidente, nenhum governante vai dizer que isto está péssimo, que os bancos estão falidos. Ponha-se uma velinha...
Mário Soares em grande estilo: lúcido, directo, incisivo. Como sempre.
Enviar um comentário