terça-feira, 8 de outubro de 2013

Machete foi pago na SLN com apólice de seguro

8 de Outubro, 2013por Ana Paula Azevedo e Felícia Cabrita
A remuneração de Rui Machete enquanto presidente do Conselho Superior da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), pelo menos entre 2001 e 2002 foi feita com dinheiro de uma das principais sociedades offshore do grupo BPN, a Jared Finance. No esquema arquitectado pelo grupo para fugir ao Fisco, esse capital era depois transformado em apólices de seguro de vida.O actual ministro dos Negócios Estrangeiros e os outros membros do Conselho Superior foram naquelas datas pagos em espécie, através deste mecanismo constituído em seu nome na Real Vida Seguros, pertencente ao grupo. No entanto – segundo dados recolhidos na investigação criminal do caso e nas auditorias efectuadas em 2008 por ordem da administração de Miguel Cadilhe, que sucedeu a Oliveira Costa –, os pagamentos continuaram a ser feitos em dinheiro e, como tal, não foram declarados pelo BPN para efeitos fiscais.
Machete e os restantes membros do Conselho Superior da SLN, que reunia três a quatro vezes por ano, recebiam senhas de presença. Por cada reunião, Rui Machete recebia cerca de mil euros. Entre 2001 e 2002, o ministro esteve em seis reuniões, tendo nestes anos sido pago através de uma apólice da Real Seguros, seguradora do grupo.
O esquema montado pelo grupo de Oliveira Costa consistia em proceder ao levantamento em numerário de contas da Jared (que por sua vez era alimentada pelo Banco Insular) e depositar a verba na Real Vida Seguros. A seguradora fazia uma apólice em nome de Machete e dos outros membros do Conselho Superior, no valor equivalente às presenças. Depois, em 2003, estes levantariam o dinheiro, acrescido de juros.
Presenças eram pagas “em dinheiro”
Quem tratava de tudo eram os dirigentes executivos da SLN, liderados por Oliveira Costa. O SOL quis saber se o ministro não estranhou este método de pagamento. “Desconheço quaisquer ligações ao offshore referido”, respondeu, mas confirmando a apólice: “Que me recorde, existiu um pagameno feito através de um produto financiero da Real Vida Seeguros”.
De resto, o ministro relembra o que disse na comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN, em Abril de 2009. Nessa ocasião, foi questionado pelos deputados se “alguma vez teve recebimentos em numerário, nomeadamente no que respeita a senhas de presença, através de um qualquer tipo de depósito ou outro instrumento financeiro”. Rui Machete respondeu então: “Todos os membros do Conselho Superior eram remunerados com senhas de presença pagas. Agora, não posso precisar se eram pagas em numerário ou em cheque. Penso que houve uma altura em que o banco abriu umas contas e, depois, passou a pagar em cheque, visto que algumas pessoas, como era o meu caso, não queriam ter contas no banco. A remuneração devia ser à volta de 1.250 euros por reunião”. Instado a esclarecer melhor, respondeu que os pagamentos eram “em dinheiro”.
O dinheiro vinha, como acima referido, da Jared Finance – que, a par da Solrac Finance, era uma das offshores mais importantes do grupo, financiadas pelo Banco Insular. Sediado em Cabo Verde, o Insular – cuja propriedade era ocultada pelo BPN – foi usado pelo grupo para financiar os seus negócios e respectivas operações em zonas offshore, além dos mais variados tipos de operações que se pretendia esconder da contabilidade oficial. Era, por sua vez, alimentado pelos depósitos dos clientes do BPN em Portugal.
Os esquemas de remunerações dos membros dos órgãos sociais constituíram uma prática generalizada na SLN/BPN ao longo dos anos. Uma auditoria feita pela consultora Mazars, em 2008, detectou elevadas saídas de dinheiro do Insular, num total de mais de 140 milhões de euros, registadas como “pagamentos diversos: remunerações prémios, comissões, patrocínios, entre outros”. A saída dessas verbas estava justificada nas contas do Insular a título de financiamento da Jared (40,3 milhões) e da Solrac (100,3 milhões).
Ministro vai hoje à AR
Rui Machete é esperado hoje na Assembleia da República, para uma audição na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros. Além da polémica dos últimos dias sobre o seu pedido oficial de desculpas a Angola, por causa das investigações criminais em curso em Portugal, relativas a figuras de relevo deste país, o ministro deverá ser instado a esclarecer porque é que, antes da sua ida à comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN, afirmou numa carta ao deputado João Semedo (BE) que nunca foi accionista da SLN/BPN.
O ministro já disse que se tratou de um “erro involuntário”, mas o BE quis que o Parlamento fizesse uma queixa ao Ministério Público, por crime de falsas declarações – pedido que foi chumbado pela maioria PSD/CDS. “Essa falsa informação condicionou a actividade dos deputados, que não lhe fizeram perguntas como as que fizeram a outros accionistas”, sustentou João Semedo.
A participação de Machete não tinha, no entanto, expressão no universo do grupo SLN. Em 27 de Dezembro de 2000, comprou 24 mil acções, por 2,20 euros cada (ou seja, investiu cerca de 50 mil euros) – e não por um euro, como erradamente chegou a dizer.
De facto, na altura da aquisição, apenas duas pessoas compraram acções por esse preço reduzido: Oliveira Costa e Cavaco Silva (a quem o presidente do BPN disponibilizou parte das suas acções). Em 2007, Machete vendeu as suas acções por 2,50 euros e, enquanto presidente da FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento), deu ordem de venda das acções que esta também tinha comprado.
Todos os accionistas da SLN eram convocados uma vez por ano para as assembleias-gerais ordinárias (onde se fazia a apresentação de contas). Quando recebiam a convocatória, caso não pudessem estar presentes, tinham de fazer atempadamente uma carta com a delegação da sua representação – e, habitualmente, essa representação era feita por Oliveira Costa.
Machete presidia ao Conselho Superior da SLN, um órgão consultivo e fiscalizador da holding, o que não queria necessariamente dizer que conhecesse toda a actividade e a realidade do grupo. Em 2007, quando a crise do BPN começa a vir ao de cima, foi dentro do Conselho Superior, precisamente, que começou o movimento de accionistas para expulsar Oliveira Costa da gestão. Por dentro dos assuntos, até 2007, estava um número reduzido de pessoas, sendo tudo tratados apenas ao nível do conselho de administração. É esta, pelo menos, a leitura dos investigadores.

SOMA 6 SEGUE...

Sem comentários: