sábado, 12 de julho de 2014

NUNO SARAIVA

Carta aberta ao primeiro-ministro

por NUNO SARAIVAHoje
Dirijo-me a vossa excelência porque nunca o ouvi referir-se em termos menos próprios à Constituição ou ao Tribunal Constitucional. Nunca lhe conheci qualquer intenção ou desejo de, para futuro, "os juízes serem mais bem escolhidos", isto é, que se verguem ao poder político. Nunca vislumbrei nas suas inúmeras intervenções ou decisões qualquer manifestação de menor respeito pela democracia ou pelo Estado de direito. Nem tão-pouco percecionei nas suas palavras qualquer propósito de pressionar ou chantagear os doutos inquilinos do Palácio Ratton, nem mesmo quando lhes exigiu "bom senso". E porque acredito sinceramente que todas as vezes que aprovou orçamentos e outros diplomas feridos de inconstitucionalidade o fez sem intenção e sem a consciência de que estava em colisão com a lei.
Dito isto, gostava de lhe falar de alguns correligionários seus - de governo e de partido - que parecem ter uma visão diferente da de vossa excelência sobre aquilo que é o Estado de direito e a democracia constitucional. E digo parecem ter porque, mesmo desconfiando de que esta não é a sua posição, ainda não lhe ouvi qualquer declaração a demarcar-se destas afirmações.
Há uns dias, não muitos, passou quase despercebida mais uma gravíssima diatribe da Dra. Teresa Leal Coelho contra a Constituição. Num debate na SIC Notícias, a 4 de julho, a ilustre deputada do seu partido afirmava que "já lá vai o tempo em que a Constituição era absolutamente soberana". E, não satisfeita com a barbaridade que acabara de proferir, a sua "companheira" - creio que é assim que os senhores se tratam no PSD -, que é também, ao que julgo saber, constitucionalista, defendeu que "a Constituição tem de ter uma interpretação conforme aquilo que são as nossas obrigações internacionais". Nada, como sabe, se sobrepõe à Constituição. É evidente que a interpretação constitucional pode ser mais ou menos ampla em função das circunstâncias. O que não significa, naturalmente, subversão da essência. Para isso existe o poder, desde que cumpridas as regras, de alterar ou rever a Lei Fundamental.
Mais estupefacto fiquei ao ter conhecimento das afirmações do Dr. António Pires de Lima, seu ilustre ministro de Estado e da Economia, que na passada quinta-feira, ao constatar a necessidade imperiosa de as próximas eleições legislativas viabilizarem "um Governo de maioria", assegurava que este futuro Executivo, seja ele de que partido for, não aceitará "governar no estado de submissão aos tribunais que este aceitou".
Indo por partes, tenho a certeza absoluta de que concordamos no facto de que não é preciso ser jurista para saber o que é o Estado de direito. Ainda assim, permito-me recordar-lhe que um dos princípios basilares do nosso sistema jurídico-institucional é o respeito pela lei, que decorre da Constituição da República, e pelas decisões dos tribunais. Outro dos valores essenciais da nossa ordem jurídica é que ninguém está acima da lei, do simples indivíduo à potência pública - seja a administração central, regional ou local. E que outro dos requisitos sagrados do Estado de direito democrático é a separação de poderes. Daí que me pareça aberrante que um membro do Governo a que vossa excelência preside afirme, e repito a frase porque é de extrema gravidade, que o próximo Executivo "não aceitará governar no estado de submissão aos tribunais que este aceitou".

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