Por Carlos Diogo Santos e Luís Rosa, publicado em 2 Fev 2013
O governo continua a manter em segredo muitosdos pormenores da operação de venda da EDP
Os processos de privatização do governo de Passos Coelho têm uma característica comum: são secretos. Informações básicas como os critérios de selecção dos interessados em comprar acções de sociedades privadas detidas pelo Estado, os nomes e os valores das propostas apresentadas pelos concorrentes, quase que têm estatuto de segredo de Estado.
Foi esta confidencialidade que o i tentou quebrar com uma investigação jornalística ao primeiro grande processo de privatização: o da EDP.
A venda da eléctrica nacional, tal como a da REN, está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) por suspeitas dos crimes de abuso de informação privilegiada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. No centro da investigação está o Banco Espírito Santo Investimento (BESI), tal como o i já noticiou.
O BESI, cujo chairman é Ricardo Salgado, começou por participar no processo como assessor do Estado na definição do valor da EDP. O objectivo de José Maria Ricciardi, presidente executivo do BESI, seria continuar a assessorar o governo durante o próprio processo de privatização, mas o Ministério das Finanças tinha outras ideias e deu ordens à Parpública e à Caixa Banco Investimento (as duas instituições do Estado que operacionalizaram a venda de 21,35% do capital social da EDP) para contratar a sociedade norte-americana Perella.
Foi assim que, em Agosto de 2011, o BESI passou a querer assessorar uma empresa interessada na compra da EDP. Na posse de uma release letter (autorização do vendedor, a Parpública, para passar a trabalhar do lado do comprador), José Maria Ricciardi encentou, sem sucesso, contactos com a brasileira Eletrobras, as francesas EDF e GDF Suez e ainda a indiana Aditya Birla.
Quando os diálogos pareciam ter esgotado, e já em cima do início da operação de privatização, o Departamento Internacional do BES tem conhecimento de que um concorrente chinês procurava contratar um assessor português com forte conhecimento da EDP e do sector da energia. A ponte entre o BESI e a China Three Gorges (CTG) foi feita pelo China Development Bank, entidade com que o banco de Ricardo Salgado mantinha uma estreita relação.
A assessoria financeira do BESI começou a ser discutida com a CTG a 17 de Outubro de 2011 e oito dias depois assinaram o mandato.
Entretanto, a 21 de Outubro, seis entidades já tinham entregue propostas não vinculativas: as brasileiras Eletrobras e CEMIG, a chinesa CTG, a alemã E.ON, a indiana Aditya Birla e a japonesa Marubeni.
Cinco dias depois foi publicada a lei que regulava a 8ª fase do processo de reprivatização da EDP, mediante uma operação de venda directa, no dia 8 do mês seguinte é aprovado pelo Estado o caderno de encargos da operação, onde constavam os critérios de selecção das empresas interessadas. Destes destacam-se o preço vinculativo apresentado, a quantidade de acções pretendidas, a salvaguarda dos interesses do Estado e a adequação do projecto estratégico à realidade da EDP. Outros requisitos passavam pela contribuição que cada concorrente pretendia dar à identidade empresarial da EDP, ao reforço da capacidade económico-financeira e à promoção da competitividade do sector energético. A idoneidade, capacidade financeira, técnica e de execução dos investidores, bem como a aposta no desenvolvimento da economia nacional também contavam para a selecção das propostas.
Poucos dias passaram até que uma resolução pelo Conselho de Ministros deixou de fora do processo dois dos concorrentes – a Aditya Birla e a Marubeni - por não cumprirem tais critérios. Ao contrário das restantes quatro, que, além disso, tinham propostas superiores aos 2,85 euros/acção – valor mínimo estabelecido pelo governo.
As reuniões entre a Parpública, a EDP e os potenciais compradores foram várias no período que separou a entrega das propostas não vinculativas e a data limite para a entrega das propostas vinculativas: 9 de Dezembro. Nesta fase – que a EDP reconheceu ser de grande competitividade – os assessores da CTG, o BESI e o Credit Suisse, efectuaram contactos com os assessores do Estado. O BESI focou-se no diálogo com o Caixa BI e o Credit Suisse mais centrado nas negociações com os norte-americanos da Perella, a outra entidade que assessorava a Parpública.
Investigação DCIAP Como o i já noticiou, o DCIAP está a investigar indícios da prática de crime de abuso de informação por parte de alguns administradores do BESI, pois a investigação tem a convicção de que estes terão adquirido acções da EDP através de off shores disponibilizadas pela empresa suíça Akoya Asset Managment. O procurador Rosário Teixeira, responsável pelo inquérito criminal, está também concentrado em perceber por que razão os chineses baixaram as suas propostas da 1.ª fase (onde as propostas são meramente indicativas) para a fase final (onde todas as propostas são vinculativas).
No caso da EDP, e segundo indícios recolhidos pelos investigadores, o BESI terá apresentado um primeiro parecer à CTG que apontava para um preço que variava entre os 3,5 euros e os 3,75 euros por acção, cujo ponto médio era de 3,625 euros. Contudo, a proposta final da CTG acabou por ser de 3,45 euros por acção. Esta poupança de 17,5 cêntimos poderá ter levado a uma poupança de mais de 117 milhões de euros por parte da CTG – valor que, segundo o DCIAP, quantifica igualmente a perda patrimonial do Estado, como a revista “Sábado” já noticiou.
Segundo o i apurou, o BESI defende-se alegando a sua intervenção na elaboração da proposta vinculativa se resumiu a duas reuniões com a CTG. Segundo fontes da defesa, a 6 de Dezembro, o BESI esteve representado no Hotel Altis Suites pelos administradores Rafael Valverde, Paulo Martins, Luís Vasconcelos e Miguel Patrício, enquanto que a CTG era representada por Guangjing Cao, chairman da empresa, e Chuxue Lin, vice-presidente executivo. Foi neste primeiro encontro que o BESI deu conta da forte competição e recomendou que a CTG apresentasse uma proposta entre os 3,5 euros e os 3,75 euros por acção, com o referido ponto médio nos 3,625 euros. Ao que o i apurou, os gestores do BESI terão ainda manifestado preocupação com as condições de financiamento da EDP que seriam apresentadas, pelo que terá aconselhado os chineses a insistir com o China Development Bank, para que este se comprometesse a financiar a EDP a uma taxa de juro muito competitiva.
Mas as recomendações não se ficavam por aqui. No dia seguinte os mesmos responsáveis da CTG deslocaram-se à sede do BESI, onde estiveram reunidos com José Maria Ricciardi, Paulo Martins e Luís Vasconcelos. Ricciardi foi ainda mais longe e sugeriu que, para diminuir os riscos, que a proposta deveria ser superior ao ponto médio recomendado um dia antes.
Porém, dois dias depois a CTG apresenta uma proposta muito inferior: 3,45 euros. O BESI garante que só teve acesso a esta oferta depois de ela ter sido entregue, durante uma reunião que aconteceu no final do dia 9 de Dezembro no Hotel Altis Prime.
INCONGRUÊNCIA Segundo fonte oficial do BES, os chineses da CTG ficaram mesmo insatisfeitos com os serviços do BESI e recusam-se a pagar a comissão discricionária prevista no contrato de prestação de serviços.
Contudo, e ao que o i apurou junto de fontes do mercado, terão sido os chineses da CTG que, satisfeitos com os seus serviços, aconselharam o BESI aos igualmente chineses State Grid que viriam a vencer a privatização da REN em circunstâncias idênticas: Uma proposta inferior à aconselhada pelo BESI.
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