“Eles” (os funcionários públicos) são uma parte de “nós”
Sábado, 08 Junho 2013 10:32
José Pacheco
Pereira - Se há um princípio cívico de moralidade, o que está a acontecer aos
funcionários públicos deveria fazer soar todos os sinais de alarme.
O que se passa na
actual ofensiva do Governo contra a função pública está muito para além da
condição de se ser "funcionário público". O discurso do Governo —
mais uma vez um discurso de divisão entre os portugueses, a que chamei e chamo
"guerra civil" — pretende legitimar as suas acções como tendo a ver
com aquilo que apresenta como "privilégios" dessa condição
profissional. Os corolários são sempre os
mesmos; está-se a atacar privilegiados, cujos privilégios são pagos pelos
dinheiros dos contribuintes, em nome da "equidade". Se temos
impostos altos é porque esta gente "do Estado" tem o emprego
garantido, ganha mais do que os trabalhadores do sector privado, tem maiores
reformas. Tudo em parte verdade, tudo em
absoluto mentira.
Este discurso
colhe, porque as sementes da cizânia pegam sempre em momentos de
empobrecimento, em que a mais fácil das cegueiras é olhar para o lado e ver que
o vizinho tem mais uns tostões do que eu e ficar fixado nessa socialização da
inveja entre os de baixo, muito próximos em condição e dificuldades, em vez de
olhar para outro lado, para o lado de onde vem a minha miséria e a do meu
vizinho. Para o lado de cima.
O
que se passa com a função pública é relevante para todos nós, como método, como
sinal, e, infelizmente, como imoralidade social, rompendo um contrato social
que é suposto ser o tecido da nossa sociedade em democracia, em que existem
diferenças e diferenciações aceitáveis e outras inaceitáveis. É porque o Governo quer
esconder as inaceitáveis que assume agora uma espécie de igualitarismo para os
imbecis, proclamando-se de uma rasoira igualitária que serve para violar
contratos e garantias, direitos e condições, em nome de um "dinheiro"
que não há nestes casos e que parece haver sempre nos outros. Alguém disse esta semana, e bem, que nunca ouviu o
Governo responder que "não havia dinheiro" para as PPP, nem para os
contratos swap, nem para a banca, só para os trabalhadores e para os
reformados.
É por isso que o
que o Governo está a fazer aos funcionários públicos tem um significado social
muito mais vasto do que as peculiaridades do seu estatuto social e
profissional. E o invólucro de uma
pseudo-"reforma do Estado" é apenas a expressão orwelliana para mais
um corte cego nos serviços públicos, sem nexo, sem consistência, nem
sustentação, sem sequer corresponder a qualquer poupança estrutural, porque os custos das coisas mal feitas são muito
maiores do que a poupança orçamental obtida a curto prazo.
Um
dos aspectos mais inaceitáveis deste processo é o grau de dolo e fraude em que
ele é feito. Repito-me, mas este é um dos aspectos mais repulsivos da actual
governação. Todos os governantes juraram
várias vezes, há dois anos, e há dois meses, que nunca haveria despedimentos na
função pública, nunca haveria "mobilidade especial" para os
professores, e que apenas quem quiser sair teria abertas as portas a
"rescisões amigáveis". O que ofende mais a consciência comum é que as
mesmas pessoas que usaram o "nunca", várias vezes e em contextos que
não permitiam a ambiguidade, estão hoje na vanguarda de piruetas verbais mais
obscenas para se desdizerem, parecendo aliás muito pouco preocupados com o
valor da sua palavra.
Quando se
justificaram, no passado próximo, muitas medidas de cortes salariais na função
pública com o argumento de que podiam ser mais gravosas para os funcionários
públicos, visto que eles tinham "a garantia do emprego", o que se
estava a fazer era mentir a todos, como método de actuação. O mesmo dolo foi a
"mobilidade especial" e agora a "requalificação" que não
são mais do que classificações enganosas em burocratês para os despedimentos. O despedimento de funcionários públicos estava
inscrito no código genético desta governação desde o primeiro dia.
Escrevi-o na altura com absoluta certeza de que iria ser assim. E foi.
Tudo isto nos diz
respeito, funcionários ou trabalhadores do sector privado, porque ninguém tenha dúvidas de que se o Governo pudesse
fazer a todos os trabalhadores portugueses o mesmo que está a fazer aos
funcionários públicos, fá-lo-ia sem hesitar. Se, por despacho ou lei ordinária,
em muitos casos sem sequer ir à Assembleia da República, fosse possível
aumentar o horário de trabalho, permitir despedimentos discricionários por
decisão unilateral do patrão ou do capataz, individuais e colectivos, sem
qualquer enquadramento legal que proteja a parte mais fraca, nem simulacros de
leis laborais seriam precisas.
E tudo isto nos
diz respeito, porque é o medo o lubrificante do discurso de guerra civil do
Governo. Sim, o medo das pessoas normais, que
sabem que ninguém as defende, que não confiam na força dos sindicatos, que
sabem que o silêncio cúmplice de Seguro não destoa dos actos de Passos Coelho,
que sabem que se escorregarem ainda mais no plano inclinado da pobreza, cujo
grande salto é o despedimento, terão uma vida infernal, difícil e envergonhada.
E por isso hesitam, temem, retraem-se, têm a ilusão de que podem passar
despercebidos ao olhar do chefe que vai escolher quem vai para a
"mobilidade especial", ou para a "requalificação", ou seja,
quem vai ser despedido.
A razão pela qual
o povo português parece ser mais "paciente" resulta muito
simplesmente de que muitos têm medo de perder ainda mais do que o que já estão
a perder. E como o discurso da divisão deixa cada um sozinho na sua fábrica, na
sua escola, na sua repartição, o medo ainda é eficaz. Mas o medo é destrutivo
da sociedade e da democracia, e dá saída apenas para o desespero, o momento em
que as pessoas percebem que já não há mais a perder. E nessa altura o seu
Soares apelou às
esquerdas, mas com idêntico impulso crítico podia-se apelar às direitas, no
mesmo sentido de acção contra este Governo. Quem
tiver um mínimo senso patriótico e nacional, mesmo aceitandose o lugar-comum de
que é à direita que esse sentimento de patriotismo é mais agudo, não pode
deixar de se preocupar e muito com a obra de destruição de Portugal e do tecido
que uniu até hoje os portugueses.
O enorme falhanço
da esquerda e da direita está em querer traduzir numa linguagem estereotipada e
sectária uma realidade de devastação que em muito ultrapassa o discurso
político tradicional. Os partidos políticos que assentam em termos
programáticos numa ideia de cidadania (como o PS) ou de "pessoa
humana" (como o PSD e o CDS) estariam à partida vocacionados para, pelo
menos, compreender o que se está a passar e travar esta forma miserável de luta
de uns contra os outros que não ousa dizer o nome, mas que é muito parecida com
a "luta de classes". Mas cada um ao seu modo, nas suas lideranças,
traiu os seus programas e, por isso, está a estragar Portugal e a democracia.
Não é irrelevante
o que se está a passar, para quem seja "justo", para quem não seja
indiferente ao tónus moral e cívico de uma sociedade, com todos os piores
instintos a ser despertados e alimentados, para garantir um terreno favorável a
um projecto de engenharia política que hoje está em decadência, mas que
envenena a terra em que está a apodrecer. Se há
um princípio cívico de moralidade — e é um cínico e um relutante defensor de
argumentos morais em política que escreve isto — o que está a acontecer aos
funcionários públicos deveria fazer soar todos os sinais de alarme.
Face a esta
situação, precisávamos de gente como Thomas Paine que nos ensinasse que a
"moderação no Bem" não é uma coisa boa. E que se a "moderação no
temperamento é sempre uma virtude, a moderação nos princípios é sempre um
vício". Há momentos em que é precisa esta intransigência.
José Pacheco
Pereira | Público | 08-06-2013
POR ESSA EUROPA FORA COMEÇA A PERCEBER-SE QUE O NEOLIBERALISMO DISFARÇADO DE AUSTERIDADE PARA COMPOR AS CONTAS É UM CRIME.
OS POVOS INICIARAM O DESPERTAR DE CONSCI<ÊNCIAS.
A GUERRA FINANCEIRA PODE SER MUITO MAIS DOLOROSA QUE A GUERRA DAS ARMAS.
QUE CADA UM PENSE POR SI E PELOS QUE JÁ SOFREM NA MISÉRIA E NA FOME.
OS QUE SOFREM COM O DESEMPREGO.
OS EMPRESÁRIOS QUE ASSISTEM À FALÊNCIA DAS EMPRESAS PORQUE NÃO HÁ CONSUMO.
OS SINAIS DE ALARME ESTÃO A TOCAR.
LUTEMOS PELA JUSTIÇA, PELO TRABALHO E PELA DEMOCRACIA.
LUTEMOS CONTRA A HIPOCRISIA E A FALSIDADE.
LUTEMOS CONTRA ESTE NEOLIBERALISMO QUE NOS SUFOCA E QUE NOS FAZ RECUAR DEZENAS DE ANOS.
TUTEMOS POR UMA EUROPA DE DECÊNCIA, DE DEMOCRACIA E DE PAZ.
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