quinta-feira, 5 de julho de 2007

Tratado do Porto

Uma coluna de opinião é sobretudo inter-acção. Com os outros e consigo mesmo. Recebo não poucos e-mails sobre o que vou aqui escrevendo. Além de comentários pessoais, nos corredores do quotidiano. E também sucede reler-me, a propósito desses comentários, e ter novas ideias. Após o meu último artigo, Constituição de Lisboa, lembrei-me que não estaria nada mal (pelo contrário, estaria muito bem) que o futuro tratado-constituição europeu tivesse o nome da mui nobre, sempre leal e invicta cidade. A ideia entusiasmou alguns, a começar pelo Clube 4.ª Dimensão, que vai colocar no seu blog uma petição. Fui imediatamente instando a redigir o abaixo-assinado. Aqui fica o que, currente calamo, me vem à pena. Mas é tão-só um rascunho, para dar o pontapé de saída e inspirar futuro texto bem melhor. Que dizer? Antes de mais, resgatar a honra da cidade, que parece começar a descrer de si. E nada melhor que fazê-lo pela boca, ou seja, pela pena, de grandes escritores. Lembrei-me imediatamente de dois. E começaria quiçá assim:“’Cidade que ensina ao homem os seus deveres cívicos e que lhe tributa direitos que não despreza de forma alguma, cidade extraordinária de consciência política no que de mais nobre tem essa palavra em ligação com o valor humano da pessoa integrada nas defesas da comuna. Cidade que é invicta e magna e que, ao mesmo tempo, não é sede de Governo central, é sem dúvida a riqueza de um mundo diferente que abre aos seus cidadãos. Em vez de uma consciência de politiquice, cria-se uma consciência de homem, cívica, livre, indócil à bajulice, à intriga, cidade de granito (...)’, este é o Porto, no dizer de Ruben A.Longe de ser burgo acanhado e centrípeto, foi ‘Verdadeira república urbana, como as suas congéneres da Flandres e da Itália, [e contudo] distinguia-se destas pelo profundo sentimento de comunhão com que compartilhava as aspirações e os riscos da pátria maior (...) Eis o Porto marinheiro, agreste e antifidalgo, cioso, até às últimas violências, das suas liberdades individuais e citadinas, mas zelozo dos interesses nacionais’, citando agora Jaime Cortesão. Apesar dos seus pergaminhos históricos e da sua alma que teima em pulsar, o Porto tem vivido muito esquecido pelos poderes (mesmo por vezes os seus), marginalizado pelas globalizações, vendo-se até despovoado de alguns dos seus melhores. Mas se Lisboa foi cabeça do Império, o Porto continua a ser o seu coração. Um grupo de cidadãos do Porto, de vários quadrantes políticos e ramos de actividade, não por bairrismo ou paroquialismo, que reputam retrógrados e irracionais, mas porque acreditam num Portugal harmónico e descentralizado, fiéis à ideia de uma Europa unida, que pretendem aprofundar, em Liberdade, Igualdade e Justiça, apelam para que a conclusão do novo tratado europeu, a coroar a presidência portuguesa da União Europeia, venha a ter lugar no Porto, com uma cerimónia na Casa do Infante ou junto à sua estátua, simbolizando assim, além do mais, a especial projecção universalista (desde logo brasileira e africana) que a União alcançará durante esta presidência. E assim resultará o nome para o Tratado novo: Tratado do Porto”.Seria um sinal interno e externo de que o Porto continua vivo, e não é a cidade-fantasma que todos podemos ver, percorrendo a Baixa fora (e até já dentro) das horas de expediente. Seria um sinal que obrigaria o Porto a estar à altura do que foi e ainda é, apesar de adormecido em austera, apagada e vil tristeza...Não comemos símbolos, é verdade. Tal não resolverá, como por um passe de magia, o galopante desemprego na cidade e na zona, nem a falência e fuga de empresas e o êxodo dos cérebros. Mas temos satisfações simbólicas. O Porto ficará muito mais entusiasmado com um tratado seu; enquanto, a Lisboa, mais tratado, menos tratado, não fará diferença. Não esqueçamos que Lisboa já tem, na União Europeia, os seus marcos: desde logo a “Estratégia de Lisboa”: agenda económica e social da União Europeia, que, aliás, urge concretizar.O Porto tem a dar ao Tratado. Esse Porto profundo e bom negociador do diplomata burguês Afonso Martins Alho (que firmou em nome do rei o tratado de 1353 com os ingleses, donde ficou a expressão fino como um Alho) terá decerto uma palavra a dizer no novo Tratado. Com diplomacia fina se conseguirá um bom tratado, que será sempre constitucional, apesar do mandato minimalista que Portugal recebeu.

pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 05-07-2007

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