Podia haver mais férias e menos horas de trabalho, se se usasse bem o tempo. O Princípio de Peter explica como se tende para a promoção até se chegar à mais evidente e escandalosa incompetência. Esse é um primeiro grave problema: os que frequentemente atropelam tudo e todos para, a final, poderem exercer o mais livre e ditatorialmente possível a sua mais exuberante incapacidade para o respectivo cargo, função, posto. Outra "lei" psico-sociológica deste complexo género sério-jocoso é a Lei de Murphy: diz-nos que tudo o que tiver alguma hipótese, ainda que remota, de correr mal, certamente correrá mal. É preciso prudência, pois. Faz falta uma "Lei do Desperdício do Tempo". Creio que se poderia provisoriamente formular com recurso a alguns postulados básicos:
1. A perda de tempo nas organizações aumenta na razão directa da sua dimensão, riqueza e número dos seus dirigentes. Incluindo subalternos com poderes decisórios, especialmente quanto ao exercício do emprego do tempo de outros; hoje são muitos: basta o poder de mandar um e mail, ainda que de spam.
2. A perda de tempo varia na razão directa da não produtividade concreta, do resultado real e final do trabalho.
3. A perda de tempo tende geometricamente para a total perda de tempo, substituindo o trabalho real para que uma organização se constituiu, por um trabalho-outro, normalmente mais penoso e custoso, mas diferente, de pura "ocupação" artificial do tempo, com autofagia interna e profunda insatisfação laboral dos que gostariam de trabalhar para os reais objectivos da organização.
4. Quanto mais numa organização um dirigente, ou um assessor ou um trabalhador perdem tempo, mais têm tendência a considerar os demais, que o não perdem, como improdutivos, e a azucriná-los com solicitações e imposições de tarefas de desperdício de tempo, para que, tal como ele, não façam nem tenham qualquer possibilidade humana de fazer algo de útil.
5. A única forma de evitar que uma organização não caminhe alegremente para a falência financeira e social (sendo esta a falência na sua função, substituída por vezes por outras, determinadas pela perda de tempo) é um choque de realidade. O qual, obviamente, tem de começar pela refocagem ou recentramento nos seus reais e originais objectivos (nenhuma organização, a não ser num Estado perversíssimo, se cria sem um claro objectivo).
6. A regeneração de uma organização inquinada pela lateralização das tarefas e pela invenção de tarefas espúreas e meramente ocupacionais é contudo rara e muito custosa. Os habituados a liderar organizações que perdem tempo são, normalmente, alcoólicos-do-labor, que jamais aceitarão o diagnóstico da perda de tempo. São normalmente incapazes de se reciclarem e sempre resistirão a qualquer reforma. Além de fanáticos do trabalho são-no também do poder, e jamais serão apeados de forma simples. Pelo que em muitos casos a única solução é esvaziar a organização pelo lado dos ainda recuperáveis: os que querem trabalhar, em coisas úteis. E a organização improdutiva não terá outra sorte senão ir-se afundando, com maior ou menos brevidade, dependente de variáveis quase sempre estranhas à qualidade e quantidade dos bens e serviços que ainda produza realmente. Portugal é um país onde ainda e sobretudo já se esbanja muito tempo. Fica o desafio aos especialistas para um teorização descomplicadora do deixar de perder tempo, pra ganhar tempo. Recordo o clássico efeito Mayo como um exemplo de sociologia interventiva positiva. Poderíamos pensar em algo semelhante? Talvez um efeito de focalização no essencial e na Missão da organização, normalmente constituídas social e historicamente, pudesse vir em nosso auxílio. Há um enorme trabalho a desenvolver no terreno. Frequentemente se toma a nuvem por Juno e cada pessoa que desenvolve a mais ínfima e até supérflua das funções organizacionais acha que é ela o alfa e omega da vida e do sentido da sua existência... Para ganhar tempo é preciso não temer "perder tempo", analisando com rigor as perdas de tempo, e sobretudo não esquecer que há vida lá fora. Porque - já o teremos todos esquecido? - as organizações, do Estado às empresas, fizeram-se para a felicidade dos Homens concretos; jamais o inverso. A perversidade da cultura organizacional da perda de tempo pela hiper-ocupação deixa já traços psico-sociais alarmantes. Porque o trabalhador, por vezes, já nem sabe o que fazer se não está a ser peça da sua engrenagem laboral. É um enorme retrocesso civilizacional e humano.
pfc in "O Primeiro de Janeiro" de 10-07-2008
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